Então enquanto ela tentou forçar o esgotamento do óbvio, o óbvio não se esgotou! Mas um dia, apenas se desfez. E no fundo do poço pode encontrar a chave para o destino transcendente.
Percebeu que a linearidade do pensamento do outro não era dela, não dizia nada sobre ela. Então as mentiras que contara para si mesma no sentido de resgatar sua alma, sua pulsão de vida, já não pareciam falsas, não eram falsas... apenas sofriam bloqueio de eco.
Naquele instante, tudo que presenciara em sua infância parecia ter sido um treinamento oculto que só agora tomava sua forma plena e passava a ter completa fruição em seu espírito. A arte do primeiro e maior gigante de sua vida a resgatava de sua pequenez. Que grande recurso lhe era oferecido!
Com a mudança de sua percepção, estava quase grata pelo abismo que a vida lhe proporcionava... pode ver o futuro, não como em uma profecia, viu numa matemática simples, não contaminada por seus subterfúgios.
Teve a certeza de que não permaneceria naquele estado vegetativo. Já sabia que não estava mais lá. Ilusão não eram os propósitos estabelecidos. Ilusão era inebriar-se de uma desesperança que não era dela. Decidiu deixar para trás. Outro gigante interveio: "Siga o propósito, não o fluxo". Mais um pedaço do resgate se impôs. Inverteu a lógica. Já não era sem tempo.
Escreveu como quem psicografava, como uma usurpação de palavras que não eram dela, mas que por isso mesmo, nunca havia se sentido tão dona de si. Lembrou-se de que não era boa. Como se a bondade que seu estado vegetativo exigia fosse uma forma de corrupção. Que feliz constatação. Pode assumir seus sentimentos obscuros como parte genuína de sua identidade.
"Talvez vendo de fora, saber que bactérias existem, seja mais lindo do que pegar um estafilococos convivendo com elas", disse o terceiro gigante lembrando a acidez de seu humor adormecido. Assumiu os riscos de ser quem era. Estabeleceu o não. Findou sua espera. Amou suas contradições... cada uma delas.
Sentiu algo familiar.... uma emoção esquecida. Estava no controle, lembrou-se que adorava estar no controle. Levantou os braços e fez descer as brumas que atrapalhavam o seu olhar para a Avalon que reservava um outro aspecto de seu destino.
Assumiu sua própria narrativa. Já não estava em disputa a maneira com que descreveria sua história até aqui vivida. Cansou-se das linearidades desencorajadoras nas quais fora rotulada que tiveram um eco perverso devido a sua vulnerabilidade circunstancial.
Matou a esperança cega alicerçada na pseudo vivência de um amor estéril. Os ponteiros do relógio não voltariam para trás.
Estivesse onde estivesse, lembrou-se que pertencia a um todo. Não estava a margem da engrenagem que a movia.
Eram tantos pertencimentos... a complexidade de seus gigantes, a roda da história, o caos nada sutil que se estabelecera no país continental. Ela pertencia a vida que pulsava por todo lado, pertencia as trincheiras da guerra que estava por vir, pertencia aos amores que já vivera e que ainda viveria, pertencia a todas as emoções existentes, efervescentes, dinâmicas. Era parte do movimento do Universo, compunha o começo, o meio e o fim.
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