sexta-feira, 17 de maio de 2019

Desconfiguração


Os seus sentidos foram capazes de captar a desconfiguração do corpo alheio. Um querer incompatível com o poder. Um poder exercido nos marcos da suavidade, não exatamente determinado pelo exercício da vontade. Uma energia sutilmente amarga denunciava que algo estava fora do lugar. Mas, pequenos detalhes de deleite e incômodo pulsavam-lhe também a percepção. E era bom! Bom por agora, bom por hora... bom para ela. Aqueles sentimentos que cumpriam com maestria o seu papel. Qual papel? O de impulsionar sua criatividade, de construir outras formas de linguagem, de rememorar a necessidade de uma vida em movimento, um convite a não obviedade da história. Era bom lidar com uma pulsão tão peculiar, tão diferente. Com um tom de comicidade e ao mesmo tempo eloquente. No entanto, nada era verdade, assim como também não era mentira. Apenas era, foi, esteve, talvez um dia volte. Talvez um grande azar, talvez nada,  talvez uma sorte. Talvez a energia amarga e sutil fosse um anúncio de morte.