terça-feira, 29 de novembro de 2016

REFLEXÕES SOBRE A VIDA ADULTA

                   
                    A maior parte dos mortais deste mundo, ao menos do mundo que nos cerca, América-Latina, Brasil, região Sul, ou qualquer coisa assim... foi mais ou menos negligenciado na infância. Pais jovens demais e despreparados, pais velhos demais e cansados, pai ausente, mãe neurótica, muitos irmãos, filhos únicos superprotegidos... enfim, por diversos motivos carregamos lacunas emocionais da infância. 

                      Ocorre que, no geral, estas lacunas emocionais não são pequenos traumas inofensivos que vamos superando naturalmente ao longo do tempo, podemos até superá-las, mas é necessário gasto de energia nessa direção. Por isso tantos profissionais da psicologia. Pois essas negligências nos deixaram marcas severas, embutiram em nós medos, sensações de desamores, de rejeição e por aí vai.

                      Tenho trinta e um anos e sei que a minha geração e os que vieram antes de mim ao menos, com raras exceções, foram crianças em um mundo em que criança não era respeitada como ser humano em desenvolvimento, era alguém sem voz nem vez... o lance era obedecer e ficar quieto, se não a cinta estralava. E também não havia energia dos pais para o incentivo a construção de uma identidade na infância, éramos "alguéns" meio genéricos... tipo, crianças. 

                     Havia um mundo paralelo infantil e um mundo adulto, no mundo paralelo infantil, com irmãos e amigos de escola, íamos formando uma identidade, que quase nunca era contemplada, vista, respeitada pelo mundo adulto, fundamentalmente pais e professores.

                      Muitas consequências advieram dessa realidade, traumas, culpas, falta de noção de quem realmente somos e qual é nosso lugar no mundo, entre tantas outras coisas. Mas das principais consequências das negligências paternas e maternas da infância, quero destacar aqui uma, que é adquirir a busca incessante por alguém que cuide de nós, se responsabilize por nossos problemas, que diga: "deixa que eu resolvo"! 

             Isso porque no período em que mais precisávamos disso, do cuidado de um adulto, não tivemos plenamente. Nossos pais, na melhor das hipóteses fizeram o possível diante de suas condições, muitas vezes precárias. Mas este possível que foi feito, quase sempre está aquém daquilo que necessitávamos.

                 E por isso essa busca por uma pessoa que se responsabilize pelos nossos problemas, é justamente uma das principais causas ou sintomas da infantilização e do não ingresso na vida adulta realmente. Poucas pessoas percebem que a maior parte de suas relações e afetos estabelecidos, tem esse fator como pano de fundo. Há também outro pólo da questão... aqueles que pelos mesmos motivos, tornam-se especialistas no cuidado com o outro, mesmo quando não devem. O "cuidador profissional", que no fundo, me parece que cuida para conseguir ser cuidado em algum momento também.

                   Diante dessas reflexões, dessas questões não trabalhadas e superadas da infância, tenho a impressão que há um um exército de adultos infantis, homens buscando suas mães em suas esposas, mulheres buscando o casamento para não assumir a responsabilidade plena de uma vida adulta. Profissionais que transformam seus ambientes de trabalho numa extensão de seu cenário emocional caótico e tentam suprir suas carências o tempo todo, ou outras tantas fugas que poderíamos elencar aqui.

                      Temos uma sociedade carente de adultos, de gente que realmente sabe quem é, que não foge de seus problemas, que enfrenta, vai atrás das resoluções, assume responsabilidades. Que não tapa o Sol com a peneira. 

                        Mas então o que é ser adulto? Para mim, ser adulto nada mais é do que se responsabilizar por si mesmo antes de tudo, e não só com o peso que isso traz, de pagar as contas no fim do mês, de ter um trabalho ou uma carreira, de limpar a própria casa, lavar roupas, fazer planejamento de vida... mas também com a leveza. 

                      Responsabilidade tem a ver com a questão do cuidado, cuidar de si mesmo é essencial para o ingresso na vida adulta, e não esperar sempre que alguém faça isso por nós. Cuidar é também contemplar, reparar, entender os sinais do próprio corpo, evitar auto-julgamentos severos, se perdoar.

                           Penso que alguns passos para ingressar neste cuidado consigo mesmo, e realinhar questões emocionais mal desenvolvidas na infância, suprir a falta que pais e mães, no geral, também infantilizados, deixaram, é estabelecer um diálogo com a nossa infância. 

                Trazer certas coisas à memória, que estão escondidas na sombra do inconsciente, ir ao passado, conversar com aquela criança assustada que teve que aprender cuidar de si mesma tão cedo e de maneira tão precária, ou que foi sufocada por um pseudo-cuidado exagerado, ou que sentiu a culpa pela ausência do pai. É necessário que peguemos aquela criança no colo e sejamos capazes de dizer a ela: "não tenha medo, agora sou eu que cuido de você". E então, provavelmente seremos bem vindos à vida adulta!!

segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Deserto

Era como estar em um limbo de si mesma. Entre a plenitude e a confusão absoluta. Faltava-lhe o ar. Havia uma lacuna em sua identidade, preenchida por estranhos que não deveriam estar lá. Onde procurar? Tudo era feito de brumas... seus referenciais pareciam sem cor.. tudo lhe sugava a energia que juntava com todo o esforço. Culpa. Não importava o que dissessem. Culpa. Não importava o que a racionalidade ditasse. Culpa. Perguntava-se como pôde não enxergar... acusações sutis eram proferidas... tão suaves, aos poucos soltas no ar. Mas parte dela via tantas outras coisas... um mundo aberto, uma vida cheia de possibilidades, alguém lá dentro que dizia o quão pequenas eram aquelas coisas... versões ilimitadas da vida, uma vida complexa, não linear. Isso quase a convencia... mas quando conseguia dar alguns passos nessa direção, de novo... as culpas a jogavam no chão... as culpas a visitavam em pensamentos fortuitos, em sonhos...moendo sua energia que antes parecia inesgotável. O desejo primário era de que pudesse se afastar de qualquer daqueles cuja memória registrasse as coisas de maneira negativa. O olhar dele a acusava. Será? Ou acusava a si mesma, e seu próprio olhar se refletia nele. Reputações em jogo...no passado, no presente, talvez no futuro... esperava que não... um desencadear complexo de coisas difíceis. Dores. Tudo se misturava... inseguranças infantis, solidão, desejos... um acerto de contas com a vida. Resignificações. Recomeços. O que permaneceria? A poesia que a inspirara por toda a vida... havia vestígios dela ressurgindo...e isso era bom, apesar de estar num tom rudimentar, um tanto desacreditado, um vocabulário repetitivo, um estilo batido. A fé... sim, ainda estava lá de uma certa maneira um tanto fragmentada, sob alerta. A esperança... talvez, talvez não...O amor... traduzido em silêncios que os corpos as vezes eram capazes de expressar... ou não... ou não era isso, ao menos não sempre, não em toda parte. Dias difíceis... tempos difíceis... Um deserto! Mais um deserto!

domingo, 6 de novembro de 2016

Não mais esquecer...


Ao reviver descubro os códigos que a memória apagou,
Chaves de um paraíso seguido de uma dor proporcional.
E mais uma vez ficou tudo em mim, o nó na garganta,
A derrota traduzida numa frieza infernal.
A sensação de que somente eu estava lá,
Um delírio único, unilateral, 
Uma poesia exacerbada, beirando a insensatez,
Um sonho alimentado com migalhas sutis de um outro que não estava ali,
De uma realidade inventada, 
Só existente no reino do "se"...
Mas não foi a primeira vez, 
A solidão marca uma década que foi embora,
E a memória cria a armadilha para dizer que o delírio era real.
A conclusão é que... 
Nunca existiu eu e você...
E desta vez, apesar das sensações doces que minha alma não quer calar,
Eu me calo e decido apenas que não quero mais esquecer!