quinta-feira, 29 de novembro de 2018

Saberes de loucura


Quem se atreveria a uma contraposição poética 
Capaz de anular os trâmites do eu? 
Só o fluir nos resgataria 
Da inconsistência absurda 
Dos pequenos rumores periféricos do agora. 
Histórias... memórias... 
Tempos idólatras e nós também! 
Muito mais além. 
E logo na próxima esquina... 
Espectros. Sinais. 
Outros temores, rumores demais. 
Tudo ruía... 
Os desabamentos das impressões nítidas, 
Das expressões implícitas, 
Das compreensões tácitas, 
Das rotinas da vida estática. 
Nada, nada mais. 
Sabores cítricos,  
Saberes críticos,
Inclinações investigativas 
Penetravam antigas prerrogativas 
Há muito perdidas 
Mas esquecidas jamais. 
A confusão imposta,
Respiração gritante, 
Face rubra exposta, 
Fantasias irreais. 
A espera vazia, a noite caía... 
A Lua alta, o vento forte... 
Gente que ficava para trás!
Que azar, que sorte. 
O que não parecia, 
Era vida,
Mas sempre um pouco mais de morte.

quarta-feira, 28 de novembro de 2018

Contextos


Tinham direções opostas que em breve encontro, num cruzamento ilógico, se confirmaram como uma única direção. Quase que por acidente... numa obra fina, e talvez obra-prima, do tempo e do espaço como os mais falsos protagonistas. 
"O tempo e o espaço não existem" - afirmavam em suas evidentes arrogâncias e inseguranças do primeiro encontro...

As demandas de suas camadas mais evidentes, na parte de suas identidades cheias de comprometimento com a vida, de maneira inglória,  pulsavam pelo amor como princípio de não dominação, mas isso apenas quando, fundamentalmente, a gramática do inconsciente os mantinha livres do superego das doutrinas oficiais. 
"Estamos em permanente desconstrução" - o que seria uma mentirosa afirmação não fosse um olhar muito atento a considerar passos lentos.

Talvez o destino gargalhasse deles, o desencontro de uma década que guardou um encontro avassalador. Os olhares fascinados, se fitavam e se perdiam no infinito reflexo dos seus abismos, talvez transbordantes de tudo, talvez apenas cheios de nada, mas firmando-se como uma força capaz de submeter as naturezas alheias.
"Em você... eu me perco e me encontro" - diziam em êxtase, sem muita explicação!

No entanto, se encontravam num complexo trânsito de difícil fazer e dizer, eram limitadas suas capacidades de adaptação e construções de consensos imediatamente eficazes, diálogos plenos diante de suas relativas maturidades. Dificuldades estas não somente no exercício a dois, mas principalmente, diante do enfrentamento individual de cada uma de suas identidades idiossincráticas de antemão. 
"A vida não é linear e nem estática" - matéria prima de autoperdão...

Fases de declínio, energias em esgotamento faziam com que na distância degustassem boas doses de agonia, como também grandes parcelas de memórias do prazer e do calor. Memórias estas, que eram parte das causas de êxito de tão estranha interação, pois estavam acariciadas por suas relações contraditórias, embora não sem dor, com o poder e com o amor. 
"Ah o amor... tudo era sobre o amor!" - de novo e de novo...

Registros


Os presságios anunciavam a intensidade da energia movida no Universo. Tudo estava ligado por linhas relativamente invisíveis, mas nítidas como a própria dor de existir. E fosse como fosse, não podiam resistir as verdades apresentadas. As almas transbordavam suas virtudes e vícios, seus padrões e suas necessidades de transformação. Do lado de cá, uma força se restabelecia, constituindo a sanidade de mãos dadas com a loucura... a explosão como cura, na qual toda a experiência outrora vivida servia como referência para a reinvenção. Do lado de lá, caminhos sombrios, a tristeza, a emoção a flor da pele tomava o lugar das simulações padronizadas, dos autoenganos cristalizados que dissimulavam a dor. Ambos viviam o desfecho de uma vida bem ou mal, mas intensamente, vivida. Tudo fora posto na mesa, os elementos de morte, cura, culpa e vida. Era possível duvidar de resoluções fáceis, redignificar a própria história seria tarefa difícil. Construída passo a passo, que incluía cortar na própria carne, colocar limites na pulsão de estar diante do outro, dos olhos bem quistos, dos afetos pulsantes que ignoravam qualquer verdade além do amor a ser vivido, do outro a ser acolhido. Mas a grande lição é que o amor resiste a verdade. E que ele não é óbvio e permeia todas as dimensões do ser. Se constitui na complexidade das ações. Na desconstrução do maniqueísmo, no olhar mais atento, na interpretação profunda da vida. "Interprete a vida!". Interpretar a si mesmo nos passos dados, nas pulsões sem explicação. Ninguém volta ao mesmo lugar depois de expandir, ou ao menos não deveria, volta e meia encolhemos o pensamento e voltamos a rudimentariedade outrora vivenciada. Mas as experiências estão lá, prontas para serem acessadas, para dar suporte a um novo ciclo de expansão. Relação. O enxergar ao outro é ver a si mesmo! E quantas vezes nos cegamos. Mas naqueles dias a vida cobrou bruscamente as vendas nos olhos que optamos por usar. Transbordou! Avassalou tudo! Sacudiu o mundo. Tudo estava devidamente registrado. Havia uma proximidade na distância estabelecida, um entrelaçamento cristalino, nunca tinham sido tão próximos... 

quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Alma-Império


Polariza o teu amor do jeito que quiseres,
E te encanta ao acolher os teus quereres.
Queira o querer que em ti sempre esteve,
E de ti mesmo, o teu amor, te empoderes.
Dê os passos na direção do teu mistério, 
Mergulha em teus desejos escondidos,
Reflexo dos amores ensinados outrora recebidos,
Revelando a essência, fundamento da tua alma-império!

sexta-feira, 16 de novembro de 2018

Carta para Alice


Querida Alice,

essa não é a primeira carta que eu te escrevo. Aliás, talvez sejam mesmo para você todos os meus escritos, mesmo quando para outros. É à você que pretendo deixar os registros da história. No entanto, minhas cartas para você propriamente ditas nunca foram publicadas. O que talvez seja uma pena... e também um alívio.

Hoje acordei estranha, Alice. Sinto que estou com alimentos oníricos e questões da alma um tanto mal digeridos. Tem sido tantas formulações e em conclusão nenhuma. E acho que a indigestão me criou uns bloqueios. Ando meio sem sentir. Umas tantas camadas inibem minhas pulsões. Nem recebo as alegrias com fervor e nem as tristezas com o devido drama. Estes dias quase consegui... nas tristezas talvez seja mais fácil... não carregamos culpa em ser tristes, Alice. Mas em sermos felizes, ah... não posso dizer o mesmo.

Há poucos dias estive em lugares que não havia estado antes, conheci pessoas que não conhecia. E como são complexas as almas e como os corpos são tentadores. Não há pensamento linear que defina aqueles que aceitaram o desafio de viver sua própria identidade. E a minha identidade é cheia de paradoxos, contradições e angústias... e a dos outros também.

Sabe, Alice, no fim é tudo sobre o amor. O problema é que as "sociedades" inventaram receitas pré-fabricadas para amar. E isso é errado. O amor apenas é. De um jeito ou de outro. Tem amor que não cabe na nossa cabeça, tem amor que não cabe no nosso coração, tem amor que não cabe no nosso corpo. Mas é amor também. Tem amor que cabe em todos os nossos lugares. Tem amor que cabe por muito ou por pouco tempo. Tem amor incabível, tem amor intransponível. Não importa.

Ontem assisti um filme que o protagonista dizia que aqueles que se amaram um dia tem de no mínimo serem amigos para sempre. E acho mesmo, Alice, que basta um dia para amar infinito. E que bom seria se todos os que amamos e se distanciaram de nós por algum motivo, fossem nossos amigos para sempre. É lindo... mas acho que tenho mais amigos que nunca foram amores do que ex-amores amigos. Talvez eu não seja tão boa nisso.

Mas ainda sobre o amor, a verdade Alice, é que a gente é muito ruim de amar. A gente confunde amor com idolatria... tanto pra um lado como para o outro. Explico. Ídolo no conceito bíblico é um objeto com o qual tentamos substituir Deus. Ora tratamos o ser amado como deus, ora como objeto. Colocamos nele a expectativa que só poderia ser cumprida pelo Criador... desejando que ele atenda nossa vontade na exatidão de nossa exigência... mais ou menos o que esperamos de um forno microondas. Idolatria é um tipo de uso... amar é se relacionar, se comprometer, montar um quebra cabeças todos os dias. E aí, o lance é que volta e meia o outro também encarna o ídolo, se coloca como tal.

Amor é outra coisa. Amar é se ver como igual. É uma frequência em outro patamar. As vezes eu sinto, vivo, experimento o amor. Sempre que dá certo...eu estou pronta a viver o amor, ou as vezes, quase pronta, mas a gente ama assim mesmo. Por que não tem nada pronto na vida e também não tem descanso... o que mais se parece com descanso, Alice, é mesmo o amor!

E parece clichê, mas o amor é a melhor coisa do mundo, garota. E não tem receita não. Sempre quando eu paro, tiro o piloto automático do comando e assumo o volante, eu começo a sentir um pouco mais, saio da anestesia estranha e sinto tudo. Começa por sentir a gente mesma, desconstruir aqueles desamores que carregamos ao olhar no espelho, ao expressar a nossa opinião, aquele medo que dá, Alice, pois é... é ali que mora o desamor.

O medo de ser quem somos, da não aceitação do outro e da sociedade, do julgamento... esse medo vai criando raiz, se expandindo dentro da gente para diversas partes, quando a gente vê... a gente é puro medo e quase nada de amor. E nossas lacunas passam a falar mais alto do que as colunas do amor e de nossos sonhos. O que sobra é uma alma implorando uma migalha daquilo que é abundante no Universo... a gente acha que é pobre de amor, mas é rica, muito rica, Alice.

Por dentro de mim... é um pouco isso, minha querida. Por fora, tudo vai estranho também... os movimentos jogam as frequências cada vez mais para baixo. O medo que era mais dentro invade lá fora. E as vezes, quando a gente sente, a gente chora... mas não é sempre.

Só não se esqueça, Alice, tudo é sobre o amor. 

Eu.


terça-feira, 6 de novembro de 2018

Muito mais além!

As demandas do agora
Que me tiram do lugar,
O tiro seco, o rosto pálido,
O mistério a revelar.
O surto que inundava o quarto,
A narrativa desforme...
A negar a vida tão inadequada
E tão dentro do conforme!
Não, não e não...
Não haveria demanda do corpo
Que alimentasse o coração.
Uma oração silenciosa
Ensurdecia o sentido não exercido,
O não-ser escondido
No que se era também.
O agora, na hora...
E muito, muito mais além!


Texto sem fim...

As faturas da vida criavam dívidas impagáveis e desleais com quem se apresentasse disponível décadas depois das dívidas contraídas... haja juros emocionais para tantos déficits primários oriundos dos corações machucados pela vida afora. Portanto, não haveria zona de conforto. Uma vez resolvido aqui, logo se desvalia ali... e a reconfiguração e expansão das plataformas da alma eram constantemente provocadas. Simploriamente revelada pela metáfora do carro velho... quando terminávamos de consertar algo e pagar a conta, outra peça tinha seu prazo de validade vencido, num círculo infinito de arranjos e arrumações. Talvez por isso ela necessitasse de tantos instrumentos de manutenção. Tudo era um grande aparato para formulação de si... fossem as terapias alternativas, as interpretações de sonhos, a identidade revelada no trabalho, as leituras, as conversas sem fim com os interpretes da alma, as alucinações conscientemente provocadas, as elaborações do fazer amor... e a escrita, é claro... pois cá estamos. E sem nos perdermos do tema... houve um sonho... num sábado a noite qualquer. A verdade é que dormiu sentindo profundamente uma falta. Uma falta que parecia de alguém. E sonhou, sonhou um daqueles sonhos que se acorda lembrando, desperta-se sobreaviso, entendendo que algo precisa ser entendido. A começar pelas semelhanças que não eram coincidências, reveladas pelas pontes oníricas, mas que agora, nas noites subsequentes, não a deixavam dormir. E para avisar a alma, limitavam o corpo. Enquanto ia percebendo seus níveis motores baixarem a potência, obrigava-se a escutar a difícil trama narrativa do inconsciente tornando-a febril pouco a pouco, meio doente, meio surto. Elementos de amores-pretéritos revelavam os pavores das relações-presente. E a contradição filosófica liberdade-segurança traziam a tona a liquidez das tramas do agora... nada nunca seria o suficiente para as demandas do coração. Porque o preenchimento devido não era aquele que o agora pretensiosamente se propunha a preencher. Os medos eram cumulativos, mas uma coisa só. Verde ou maduro... sentia a mesma sensação... projetava no hoje a ausência de ontem, sabotando por dentro de si a existência do amanhã. 
E as faltas eram uma percepção já mais elaborada... no início apenas não se sentia apta. Passeava pela vida onírica a transferir os próprios bônus e ônus que tornavam a vida, a vida! Não há dor sem delícia e nem delícia sem dor, mas no início parecia não saber, anestesiava-se de sua própria geração de vida, duplamente gerada por ela e feminina! No desenrolar da trama, se surpreende ao perceber sua própria alienação... como pôde negar-se a plenitude da vida? Passa então a reivindicar o óbvio, mas que outrora deliberadamente alienado, passou a ser o não-eu... um recurso natural que lhe fora esvaziado. A alienação é um sistema mesmo muito cruel. Descola o ser de sua sombra, cria gente meio sem rosto... constrói um inferno trancado por dentro.
No entanto, mal havia percebido a alienação que se auto imputara, estava a iniciar o processo de vencer os obstáculos, recuperar a identidade, a autoria de si mesma, quando outra armadilha se apresenta... o outro, o círculo vicioso, a dependência, as lacunas não preenchidas, a infinita e infinita ausência... as faturas da vida...