Desde sempre fora acusada do que não tinha culpa. O pai rígido dizia que caso algum homem se atrevesse com ela e suas irmãs, a culpa seria delas, que lhes teriam dado ousadia. Cresceu com isso, sendo agredida pelo mundo e pelo pai, contendo seus movimentos, altura da voz, olhando sempre para o chão. Casou-se. Teve filhos. Envelheceu. Deprimiu. Os remédios faziam parte da sua rotina. Permanecia num limbo de si mesma, mas nunca nem havia refletido sobre quem poderia ter sido na vida, se não fosse quem fosse.
Mas o ser humano não fica completamente imune a sua própria humanidade. Certo dia, envolve-se numa briga. Seu marido comprou um imóvel de um homem qualquer que entregou o bem sem as janelas. Ela se indignou com aquilo, questionou, disse que se não devolvesse as janelas, chamaria a polícia.
O homem e sua esposa riram dela. E disse ele: "vai dar pra quem te quer". Lembrou do que seu pai fazia, de atribuir a culpa da atitude masculina a ela. Ficou envolta de indignação pela palavras daquele homem. Passou um mês remoendo a risada dele que ecoava em sua alma. Era como se aquele momento resumisse toda sua história de opressão.
Procurou a justiça. Contou sua história naquele órgão público, para alguém desconhecido. Narrou os fatos ocorridos naquela tarde como quem narra uma epopéia. E ao buscar justiça para aquele fato, na verdade, pediu socorro por toda a invalidez de sua vida. Não encontrou... quanto ao seu pai, cuja imagem pulsava dentro dela no presente, para a lei, tudo já estava num passado distante. Quanto a ofensa do homem, o remédio seria mais amargo do que a doença. Foi embora com a sua dor latente de volta ao seu cotidiano vazio de esperança.
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