segunda-feira, 13 de março de 2017

A importância dos mitos para o desenvolvimento humano






                          Mitos são narrativas utilizadas por diversos povos para explicar fatos da realidade e fenômenos da natureza, as origens do mundo e do homem, que não eram compreendidos por eles. Os mitos se utilizam de muita simbologia, personagens sobrenaturais, deuses e heróis.
                       O antropólogo Claude Lévi-Strauss afirma que todo mito deve obedecer a três atributos: tratar de uma questão existencial, ser constituído por contrários irreconciliáveis e proporcionar a reconciliação desses pólos para acabar com a angústia.
                      Mitos são modelos que se acham nas raízes do desejo humano. Tanto que a pedra fundamental da psicanálise se encontra na interpretação feita por Freud do mito de Édipo. O que faz parecer que o mito é uma forma indispensável do existir humano. Do mito não se acham explicações exclusivamente racionais, mas na realidade vivida, portanto pré-reflexiva das emoções e da afetividade.
                      Para Mircea Eiade, filósofo romeno, uma das funções do mito é fixar os modelos exemplares de todos os ritos e de todas as atividades humanas significativas. O mito é o ponto de partida para a compreensão do ser. E de alguma maneira, os gregos, principal referencial da formulação mitológica, migraram da mitologia para a filosofia. 
                     No entanto, ao longo da história do pensamento, houve quem afirmasse que a evolução da humanidade passava pelo abandono das formas míticas. E penso que este conceito, desenvolvido no positivismo, influenciou nossa racionalidade de maneira negativa.
                Uma vez em diálogo com um professor de filosofia, ele afirmou, curiosamente, que se posicionava contrário ao ensino de filosofia para crianças e adolescentes no ensino básico e no ensino médio, dizendo que com esse público, deveria ser trabalhado a interpretação dos mitos e não os conceitos da filosofia em si. 
                    Creio que ele tem razão. Nossa capacidade de abstração vai se tornando mais complexa ao longo da vida, e quando mais capacidade interpretativa desenvolvermos, mais será possível que entendamos novos conceitos. É necessário uma determinada maturidade para entender os conceitos filosóficos que, no geral, ainda não alcança as crianças e adolescentes.
                       No entanto, aqui, quero pedir uma licença literária, para tratar da questão não somente falando do mito em seu conceito strito, mas de contos, literatura, estórias, parábolas etc. Creio que se em nossa formação houvesse um foco no desenvolvimento da capacidade de interpretação, do entendimento de símbolos, e das relações disto para com a nossa própria trajetória, estaríamos mais prontos para compreender as grandes questões da humanidade expressas na filosofia.
                     Tenho assistido uma série que se chama "Upon Once a Time" (ou "Era Uma Vez"). O seriado tem como foco os contos de fadas, e procura articular todos eles numa mesma narrativa, trazendo diversas lições, algumas mais simplistas, outras mais complexas, mas que desnudam a vida real usando os contos de fadas como metáfora.
                   Na minha infância, meus pais trabalhavam comigo e com meus irmãos, muita literatura, principalmente Monteiro Lobato, contavam estórias antes de dormirmos, e acho que isso nos tornou muito sensíveis e interpretativos.
                       Há pouco tempo li um livro "As Mulheres que Correm com os Lobos" de Clarissa Pinkola Estés. E a autora desenvolve diversas questões que permeiam o Universo feminino através de arquétipos retratados em contos antigos de mulheres tribais, cujas personagens enfrentavam sagas que nos ensinam grandes lições sobre empoderamento e trajetória femininos.
                     Acredito que hoje temos uma sociedade cada vez mais literal, cujos rituais tem se esvaziado de sentido. E creio que essa literalidade pode ser parte das respostas quanto aos nossos vazios, nossas identidades fragmentadas, fragilizadas e vulneráveis. Mitos e seus derivados, através de metáforas, nos fornecem referenciais universais da trajetória humana.
                     E assim como os gregos enquanto sociedade passaram da mitologia para a filosofia, penso que, individualmente, isso também faz sentido. Alguém que tenha uma capacidade interpretativa, uma identidade cujos símbolos são fortes, que entenda e respeite seus próprios rituais de passagem, que tenha em si fruição mediante a observação da arte, com referenciais bem consolidados, terá muito mais condição de ter uma racionalidade melhor constituída na vida adulta e desenvolver mais recurso interno para enfrentar os grandes dilemas de sua própria história.
                    Portanto, a consciência mítica é parte fundamental da trajetória humana e a base para o entendimento filosófico e o desenvolvimento da razão. E por isso, talvez não haja mesmo necessidade de ter mais aulas de filosofia nas escolas, mas sim, mais contação de estórias em todos os lugares.

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