Mitos são
narrativas utilizadas por diversos povos para explicar fatos da
realidade e fenômenos da natureza, as origens do mundo e do homem,
que não eram compreendidos por eles. Os mitos se utilizam
de muita simbologia, personagens sobrenaturais, deuses e heróis.
O
antropólogo Claude Lévi-Strauss afirma que todo mito deve obedecer
a três atributos: tratar de uma questão existencial, ser
constituído por contrários irreconciliáveis e proporcionar a
reconciliação desses pólos para acabar com a angústia.
Mitos
são modelos que se acham nas raízes do desejo humano. Tanto que a
pedra fundamental da psicanálise se encontra na interpretação
feita por Freud do mito de Édipo. O que faz parecer que o mito é
uma forma indispensável do existir humano. Do mito não se
acham explicações exclusivamente racionais, mas na realidade
vivida, portanto pré-reflexiva das emoções e da afetividade.
Para
Mircea Eiade, filósofo romeno, uma das funções do mito é fixar os
modelos exemplares de todos os ritos e de todas as atividades humanas
significativas. O mito é o ponto de partida para a compreensão do
ser. E de alguma maneira, os gregos, principal referencial da
formulação mitológica, migraram da mitologia para a filosofia.
No
entanto, ao longo da história do pensamento, houve quem afirmasse
que a evolução da humanidade passava pelo abandono das formas
míticas. E penso que este conceito, desenvolvido no positivismo,
influenciou nossa racionalidade de maneira negativa.
Uma
vez em diálogo com um professor de filosofia, ele afirmou,
curiosamente, que se posicionava contrário ao ensino de filosofia
para crianças e adolescentes no ensino básico e no ensino médio,
dizendo que com esse público, deveria ser trabalhado a interpretação
dos mitos e não os conceitos da filosofia em si.
Creio
que ele tem razão. Nossa capacidade de abstração vai se tornando
mais complexa ao longo da vida, e quando mais capacidade
interpretativa desenvolvermos, mais será possível que entendamos
novos conceitos. É necessário uma determinada maturidade para
entender os conceitos filosóficos que, no geral, ainda não alcança
as crianças e adolescentes.
No
entanto, aqui, quero pedir uma licença literária, para tratar da
questão não somente falando do mito em seu conceito strito, mas de
contos, literatura, estórias, parábolas etc. Creio que se em nossa
formação houvesse um foco no desenvolvimento da capacidade de
interpretação, do entendimento de símbolos, e das relações disto
para com a nossa própria trajetória, estaríamos mais prontos para
compreender as grandes questões da humanidade expressas na
filosofia.
Tenho
assistido uma série que se chama "Upon Once a Time" (ou
"Era Uma Vez"). O seriado tem como foco os contos de fadas,
e procura articular todos eles numa mesma narrativa, trazendo
diversas lições, algumas mais simplistas, outras mais complexas,
mas que desnudam a vida real usando os contos de fadas como metáfora.
Na
minha infância, meus pais trabalhavam comigo e com meus irmãos,
muita literatura, principalmente Monteiro Lobato, contavam estórias
antes de dormirmos, e acho que isso nos tornou muito sensíveis e
interpretativos.
Há
pouco tempo li um livro "As Mulheres que Correm com os Lobos"
de Clarissa Pinkola Estés. E a autora desenvolve diversas questões
que permeiam o Universo feminino através de arquétipos retratados
em contos antigos de mulheres tribais, cujas personagens enfrentavam
sagas que nos ensinam grandes lições sobre empoderamento e
trajetória femininos.
Acredito
que hoje temos uma sociedade cada vez mais literal, cujos rituais tem
se esvaziado de sentido. E creio que essa literalidade pode ser parte
das respostas quanto aos nossos vazios, nossas identidades
fragmentadas, fragilizadas e vulneráveis. Mitos e seus derivados,
através de metáforas, nos fornecem referenciais universais da
trajetória humana.
E
assim como os gregos enquanto sociedade passaram da mitologia para a
filosofia, penso que, individualmente, isso também faz sentido.
Alguém que tenha uma capacidade interpretativa, uma identidade cujos
símbolos são fortes, que entenda e respeite seus próprios rituais
de passagem, que tenha em si fruição mediante a observação da
arte, com referenciais bem consolidados, terá muito mais condição
de ter uma racionalidade melhor constituída na vida adulta e
desenvolver mais recurso interno para enfrentar os grandes dilemas de
sua própria história.
Portanto,
a consciência mítica é parte fundamental da trajetória humana e a
base para o entendimento filosófico e o desenvolvimento da razão. E
por isso, talvez não haja mesmo necessidade de ter mais aulas
de filosofia nas escolas, mas sim, mais contação de estórias em todos
os lugares.
dahora
ResponderExcluirValeu Arthur! Obrigada por ler.
Excluir