quinta-feira, 23 de março de 2017

Cartas de Perdão



Nos meus estudos filosóficos percebo que quando cada um dos autores apresenta seu pensamento, todos eles, dentro de seu contexto histórico e social, apresentam verdades. Da mesma maneira, com raras exceções, sempre que há divergências entre pessoas e paramos para ouvir ambas as partes, nas duas versões encontramos verdades.

E quando nós mesmos estamos diante de um conflito, se formos muito honestos e deixarmos as paixões de lado, as expectativas desleais que nos envolvem fora da questão, utilizando a empatia, também seremos capazes de ver o lado do outro.

Empatia é o primeiro passo para a suavização de qualquer conflito. Não é uma tarefa fácil. E nem sempre temos forças para colocá-la em prática. Volta e meia estamos tão destruídos por dentro, numa crise pessoal tão profunda, com a autoestima abalada, que este exercício passa a ser tarefa impossível.

A empatia é a tarefa racional em direção a um processo mais complexo e transcendental, que é o perdão. Ao longo da vida, todos nós acumulamos muitas mágoas, e isso, de certa maneira, vai moldando a nossa identidade. Comigo não foi diferente. 

Certa vez, a beira de uma depressão, em 2015, pedi ajuda a uma amiga que trabalha com terapias alternativas para vencer minhas dores. Contei a ela as razões da minha angústia. Então, ela me propôs um exercício que denominou "cartas de perdão". 

Explicou-me que cada uma das minhas angústias eram geradas por mágoas, e que essas mágoas se acumulavam na minha identidade, trazendo-me uma frequência muito ruim, sufocando minhas alegrias, minha espontaneidade diante da vida. 

Então me propôs que fizesse cartas para cada pessoa com a qual eu tivesse assuntos mal resolvidos, tanto aquelas que haviam me machucado, como também as que eu machuquei. E que narrasse a história, colocasse no papel a minha versão dos fatos, mas que no fim da carta, que eu perdoasse a pessoa, pedisse perdão e me perdoasse.

Questionei o método. Perguntei porque eu deveria pedir perdão diante de uma situação na qual eu não me considerava culpada, perguntei ainda porque eu me perdoaria também diante disso. Então ela me explicou que nada nunca é unilateral, e que mesmo como pólo passivo de uma situação, você estava lá, não evitou as mágoas, de alguma maneira, por mais que tenha se sentido vítima de algo, houve de sua parte legitimação da situação. Disse-me para usar a empatia. Colocar-me no lugar do outro e deixar o perdão fluir.

No entanto, propôs ainda que ao finalizar a carta, feita a lápis, que eu a queimasse, porque a importância do perdão era para que as mágoas se deslocassem do meu ser. E assim eu fiz, e como mágica, depois de escrever muitas e muitas cartas, mais de 400, fui vencendo as minhas dores. Perdoei pessoas que me proporcionaram momentos tristes em todas as etapas da vida, pedi perdão por culpas que estavam ocultas da memória, mas que vieram a tona com este exercício. Pessoas próximas, pessoas distantes, uma a uma. E vi relações perdidas se consertarem por isso.

Hoje, adotei isso na rotina da minha vida, "as cartas de perdão", procuro não deixar passar, não acumular pesos. E sempre que tenho a oportunidade de contar esse meu processo para alguém, o faço, porque tem uma força terapêutica e transcendental, algo de ruim se desloca de dentro da gente através do perdão, e dá lugar a vida novamente.

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