terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Uma questão de fé ou de mercado???


Poucas coisas me escandalizam nessa vida... acho que estou acostumada a lidar com as pessoas, e por causa dos anos de militância e pela intensidade das minhas relaçõesposso afirmar que poucas coisas me escandalizam. Mas hoje, quando fui almoçar, resolvi comprar uma revista... não sou muito de comprar revistas semanais, destas líderes de mercado, mas esta me chamou a atenção, trazia na capa: "O Novo Astro da Fé", referindo-se a um homem chamado Valdemiro Santiago, líder da Igreja Mundial do Poder de Deus... cujo slogan pessoal é: "Meu trabalho é o altar; meu negócio é multiplicar as almas". Confesso que isso me escandaliza!!!
Este homem é um cara simples, vindo do interior de Minas, mas que virou um alto executivo da religião. E as pessoas, seus seguidores, na mesma reportagem, mostram fotos e outras possíveis provas dos milagres realizados por Valdemiro... no culto que ele celebra, freqüentam mais de dez mil pessoas, que se encolhem num mesmo lugar para tocá-lo, e assim receber suas curas.
Fiquei mal ao ler a reportagem... meus amigos sabem que sou cristã, e acredito em Deus simplesmente por uma questão de fé... não procuro provas, nem explicações racionais para a existência do meu Deus... simplesmente acredito, por um toque que não sei explicar ao certo e nem quero. Aliás, me irrita muito, gente ignorante que fica tentando provar a existência de Deus por métodos racionais... penso que se tivesse como provar pela lógica, alguém já tinha provado, portanto, é mesmo uma questão exclusiva de fé, que absolutamente não caminha no campo da racionalidade, e somente quem teve experiências neste campo sabe que teve e pronto, não precisa provar...
E muito menos, tenho com relação a minha crença uma vontade impositiva... pois acho que esta é uma experiência muito pessoal e que independe do esforço humano. Na maior parte das vezes que alguém tentou me convencer de algo com qualquer ar de fanatismo, ou com argumentos pobres, ou com uma dúzia de dogmas cujo sentido estava somente no fato de existirem há muito tempo, o resultado referente ao meu convencimento foi desastroso... E é por isso que não costumo aplicar isso na minha vida.
Falo de fé, quando a coisa surge naturalmente... se alguém me pergunta conto a minha experiência, se alguém me pede ajuda relacionada a espiritualidade, tento ajudar com os recursos que tenho, mas não gosto de ser chata mais do que já sou naturalmente...
até porque os meus melhores amigos ou são ateus ou agnósticos e eles me são caros, portanto não pretendo constrangê-los tomando uma postura que só deporá contra mim e irá irritá-los!!!
E ainda (acho que esse é o centro do debate), me apavoro quando alguém acha que fé é mercado... este tipo de movimento mercadológico vinculado a religiosidade sempre existiu... algum tipo de troca, as promessas, os propósitos que as pessoas fazem para receber uma benção... não gosto disso...e sinto que em nosso tempo as coisas tem piorado muito... creio que se alguém é cristão e crê na Bíblia, deveria lembrar que lá diz que "a vontade de Deus é boa, perfeita e agradável", e um "NÃO" que recebemos com relação a um desejo expressado em nossas orações pode ser algo positivo em nossas vidas... conheço tanta gente que cresceu muito em meio as piores dificuldades, pessoas que se não tivessem recebido alguns "nãos" da vida, seriam muito piores... conheço pessoas que ao lidarem com doenças graves puderam finalmente olhar para si mesmos e entender melhor como a vida funciona, aprenderam a amar quem os cercava...
pois é, por isso acredito que na vida não tem receita, nem mesmo para aqueles que tem fé... tudo acontece de maneira muito parecida, ou igual, para aqueles que crêem em algo sobrenatural ou para aqueles que não crêem. E penso que cada um estrutura seu posicionamento referente a fé de acordo com suas vivências, experiências e reflexões... seja por uma ótica racional, ou por uma lógica sem lógica, sobrenatural, como é a minha!!!
É assim que lido com minha crença... de maneira suave, sem fanatismo e como uma decisão pessoal íntima que me traz paz...
Mas é muito duro e vergonhoso para mim aceitar essa teologia da troca que vem se instalando no Brasil... a famosa "Teologia da Prosperidade", que as pessoas buscam a Deus apenas para obter a sua graça diária, baseada na sua filosofia pessoal medíocre. Entendo que isso não é um fenômeno separado de questões sociais... a maioria das pessoas que busca essas religiosidades estranhas é muito humilde e tem uma vida difícil, de muita luta e falta de acesso a coisas essenciais para uma formação crítica...
Porém, aqueles que lideram esses movimentos, não acreditam neles, não é possível que homens como este supracitado, e como outros que podemos citar aqui, por exemplo, o famoso Edir Macedo, acreditem no que fazem para além do seu próprio lucro, eles são charlatões e enganam as pessoas, aproveitam-se da inocência combinada com a ignorância de milhões de brasileiros, e por vezes lucram com o desespero das pessoas por uma solução, e aí dão o bote e colocam em seus bolsos parte ou o todo dos salários miseráveis que estes seres humanos que pensam estar, através deste ato, conectando-se a Deus, e estes líderes religiosos, que pra mim são maus, condenam estas pessoas que acreditam neles, a uma miséria ainda maior do que a que elas já estavam...
e, por outro lado, estes fiéis que dizem acreditar, penso eu, no fundo desconfiam que aquilo não é a verdade, mas agarram-se a isso, muitas vezes, também de forma dolosa, mesmo que desesperada, transformando o sagrado em mercado, para suprir suas necessidades... isso definitivamente, me escandaliza e me surpreende negativamente com o mundo... gente que acha que milagre é o centro da fé, que negocia com Deus... que acha que fazendo sacrifícios financeiros ou sacrifícios de outra natureza, vai receber sua benção e chama isso de cristianismo, e esquece que dentro do que acreditam os cristãos ou deveriam acreditar, o único e maior de todos os sacrifícios já foi feito, que foi e é o sacrifício da Cruz, e que nem um outro mais precisa ser realizado...
Mas as pessoas não entendem, continuam se punindo, negociando, pirando... tentam simplificar, negociar e mediocrizar aquilo que, acredito eu, no âmbito da minha fé, é o que há de mais complexo, poético e sagrado...
Porém... a tolerância também faz parte daquilo que quero pra mim... e creio eu, faz parte do ser cristão... então vou tentar acalmar meu coração e entender melhor o que acontece com o mundo... mas está cada dia mais difícil!!!

Um comentário:

  1. Eu, cristão e marxista convicto, (porque nem minha fé e nem meu materialismo me limitam)sempre me peguei questionando o que você chama de mercado da fé. A expressão é perfeita, e facilmente pode ser compreendida nos conceitos materialistas (de Marx e Adorno) de fetichismo da mercadoria e industria cultural. Salvação é uma mercadoria cara, e não é para todos. Consome-se pregações e outras homilias não pela mensagem, mas pelo prazer de se sentir bem, pela compra de um sonho, pela obtenção de um impossível material com o imaterial. Muitas Igrejas (a construção humana e não a congregação de crentes em um ser superior e supraracional), que igualmente a um mercado cultural se tornam um mercado hierático com avançadíssimas técnicas de marketing e massificação social. E, o pobre diabo, o explorado trabalhador, alienado pelo seu próprio trabalho e fiel devoto de seu patrão devido a essa alienação, tem seu tempo, seu ócio e até a sua fé despropriada. Até mesmo os valores que determinam a conversão do fiel são vendidos como em prateleira: busca-se, o comprador, a religião que melhor se adapte aos anseios consumistas ou que seja a mais amplamente restritiva para o que o consumidor reprova ao mesmo tempo em que tem de ser amplamente permissiva naquilo que o consumidor aprova. Valores não religiosos, certamente, mas muito capitalistas, típicas de uma sociedade de consumo.


    O assunto iria longe. Muito mais do que se permite o bom respeito no que diz sobre utilizar um espaço de comentário em um blog. Mas, a pergunta que me fiz ao me deparar com a capa da revista citada foi: o que esse editorial quer dizer com isso? Ainda mais em uma semana de grandes convulsões sociais no Oriente Médio e que somente a CartaCapital deu o devido destaque (A Veja ataca de "bom mocismo" com Huck e Angélica, e a Época vende imóveis)...

    Ósculos!

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