Em sua reflexão praticamente em transe... em um estado quase onírico, lhe visitavam pensamentos peculiares. Veio-lhe então ideias sobre os milagres. O milagre, diziam tais pensamentos, era exatamente o que parecia ser. Uma mudança radical frente a uma situação intransponível. Variaria de tamanho. Podendo ser desde a concretização de uma sinapse cerebral tão desejada, mas de aparência impossível, até o clássico "mover montanhas". Milagres eram mesmo aquilo que as lições mais primárias afirmam ser.
Apenas seu desenvolvimento era mais específico do que qualquer um já descrevera até então, pensava em transe. O milagre era milagre sim, apenas não funcionava com o automatismo descrito pela insanidade posta a toda hora. Assim como todo o funcionamento do mundo, a magia também tinha seu caminho, seus procedimentos.
E isso não era de agora... toda a literatura mágica trazia metologia quanto aos procedimentos milagrosos e suas principais características. Havia milagres que passavam só pela obtenção privilegiada da informação. Tipo Noé e sua Arca... bastou saber antes que haveria um dilúvio, a informação foi o milagre, o resto complemento.
Houve milagre de mergulhar no rio algumas vezes para ser curado; de deitar em cima da pessoa três vezes para fazê-la ressuscitar; milagre com estratégia de guerra, de quebrar vasilha, tocar trombeta e gritar. Teve milagre, a contragosto do beneficiado, de ser transportado na barriga da baleia. A multiplicação de mantimentos é um clássico também, foi desde azeite, a pão e peixe. Cura de doença também ocupava parte relevante da literatura.
Mas em todos eles havia algumas coisas em comum. Pessoalidade e riqueza de detalhes. Pessoalidade como critério óbvio. Riqueza de detalhes: tipo... porque uma Arca? Poderia ser uma caverna, uma ilha isolada... mas era uma arca que deveria ser construída pelas mãos do beneficiado. Um milagre com contrapartida. Ou porque a multiplicação do azeite na medida da quantidade de vasilhas emprestadas dos vizinhos da pobre viúva? Milagre na medida da fé do necessitado.
Por onde e pelo quê passaria seu milagre? Nenhum pensamento lhe vinha a toa, por acaso. Nem acreditava em acasos. Mas acreditava em milagres. Uma intervenção mágica no tempo e no espaço. Os milagres não eram exatamente uma mudança de curso. Eram peculiaridades da própria lógica comum, a exceção necessária à existência da regra.
Sua razão estava em admitir a loucura, só não a doença. A magia era loucura. A tristeza a doença. A transcendência também loucura, a rua sem saída, velha doença. E seu milagre, sua necessidade de ação para além dos lugares comuns? O preenchimento das ausências. Toda dor era metáfora dos amores não tidos. E a cada passo no trajéto, mais um e mais um. Um procedimento cíclico. Acumulado. Majorado. O milagre? Percorrer o longo e solitário caminho a ser percorrido.
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