sábado, 20 de maio de 2017

Histórias sem fim sobre alguém, escondidas na ilha da inconsciência... (parte I - A adolescência e a pós-adolescência)


O obstáculo em que se esbarrava inicialmente era a pobreza no campo das abstrações. A percepção literal da realidade não diferenciava em muito o ser transcendental teoricamente humano, de seres carnais fora desta categoria. Este foi o início... um tanto rudimentar, muito desastrado, mas que demonstrava um certo talento, cujo substrato eram apenas músicas simplistas e pouco mais do que notas de rodapé de um clássico ou outro do pensamento da humanidade.

Um ser falante, feito de desejo, contido num narcisismo óbvio e precário se desenvolvia de maneira descoordenada. Nenhum tutor estava de verdade envolvido no processo. Tinham lá alguns similares a "Mestres dos Magos", que ofereciam conselhos enigmáticos, mais interessados em viverem suas próprias pseudo adolescências do que no exercício de real responsabilidade... muito longe de serem capazes de ajeitar as coisas ou de exercerem qualquer autoridade.

Mas ainda assim os valores iam sendo construídos, firmados a cada dia no valor da diferença. Situava-se através de uma rede de oposições. Encontros frustrados com intuito de metaforizar desejos mais complexos e completos acabavam se parecendo com um grande bazar de miudezas no qual se gera muito interesse momentâneo, mas que não se podia aproveitar muita coisa no sem graça cotidiano da vida real. 

Porém, como afirmou um filósofo nada qualquer, "os momentos essenciais da vida são marcados pelo transpor de uma identificação a outra"... identificações que eram contraditórias entre si, levando o indivíduo a apaixonar-se pelo problema... desejos que se opunham as demandas geravam uma moldura hedonista para a vida, firmados em seduções transferenciais.

Mas claramente, não se podia forçar a ingestão do saber. Era nítida a vacuidade do sujeito, seu vazio de próprios pensamentos. Significantes anacrônicos exerciam dominação, mas que permaneciam camuflados pelo gosto de falar indefinidamente. Não era possível enquadrar, nem medir realmente aquele ser nascente para a vida adulta... muito menos através de suas próprias réguas frágeis.

A narrativa verdadeira se construía sem cenário, sem cores, num campo apenas subjetivo, com significações abstratas. Era possível apenas entender a si mesmo através do outro, só o outro era real, portanto, só a partir do outro era possível enxergar-se. Seu comportamento era permanentemente exercido através de pressupostos, que correspondiam plenamente a sua própria reputação... fosse lisonjeira ou terrificante. Mas quase todo seu recurso era emprestado e artificial, portanto, mesmo guardando alguma reputação, tinha uma fragilidade evidente, mas que ninguém viu.

Ninguém viu porque, como afirmou o filho amado da psicanálise, "reconhecer o outro como humano é muito diferente de reconhecê-lo como sexuado". É certo que mesmo nesta seara, carregava alguma sofisticação... mas que não passavam de desastrosas experiências de fazer com que o mal-estar se transformasse em satisfação, que agiam no intuito de apenas calar evocações de humanidade que tentavam ser trazidas a tona.

Então, um tom alegre que se desmentia diante de qualquer brisa fria, revelava somente verdades não agradáveis que não prometiam salvação. O refúgio se dava na obscuridade, guardando nas sombras posições fundamentais de existência, gerando dependências essenciais. E assim se arrematava um período, selava-se uma fundamentação.


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