terça-feira, 6 de novembro de 2018

Texto sem fim...

As faturas da vida criavam dívidas impagáveis e desleais com quem se apresentasse disponível décadas depois das dívidas contraídas... haja juros emocionais para tantos déficits primários oriundos dos corações machucados pela vida afora. Portanto, não haveria zona de conforto. Uma vez resolvido aqui, logo se desvalia ali... e a reconfiguração e expansão das plataformas da alma eram constantemente provocadas. Simploriamente revelada pela metáfora do carro velho... quando terminávamos de consertar algo e pagar a conta, outra peça tinha seu prazo de validade vencido, num círculo infinito de arranjos e arrumações. Talvez por isso ela necessitasse de tantos instrumentos de manutenção. Tudo era um grande aparato para formulação de si... fossem as terapias alternativas, as interpretações de sonhos, a identidade revelada no trabalho, as leituras, as conversas sem fim com os interpretes da alma, as alucinações conscientemente provocadas, as elaborações do fazer amor... e a escrita, é claro... pois cá estamos. E sem nos perdermos do tema... houve um sonho... num sábado a noite qualquer. A verdade é que dormiu sentindo profundamente uma falta. Uma falta que parecia de alguém. E sonhou, sonhou um daqueles sonhos que se acorda lembrando, desperta-se sobreaviso, entendendo que algo precisa ser entendido. A começar pelas semelhanças que não eram coincidências, reveladas pelas pontes oníricas, mas que agora, nas noites subsequentes, não a deixavam dormir. E para avisar a alma, limitavam o corpo. Enquanto ia percebendo seus níveis motores baixarem a potência, obrigava-se a escutar a difícil trama narrativa do inconsciente tornando-a febril pouco a pouco, meio doente, meio surto. Elementos de amores-pretéritos revelavam os pavores das relações-presente. E a contradição filosófica liberdade-segurança traziam a tona a liquidez das tramas do agora... nada nunca seria o suficiente para as demandas do coração. Porque o preenchimento devido não era aquele que o agora pretensiosamente se propunha a preencher. Os medos eram cumulativos, mas uma coisa só. Verde ou maduro... sentia a mesma sensação... projetava no hoje a ausência de ontem, sabotando por dentro de si a existência do amanhã. 
E as faltas eram uma percepção já mais elaborada... no início apenas não se sentia apta. Passeava pela vida onírica a transferir os próprios bônus e ônus que tornavam a vida, a vida! Não há dor sem delícia e nem delícia sem dor, mas no início parecia não saber, anestesiava-se de sua própria geração de vida, duplamente gerada por ela e feminina! No desenrolar da trama, se surpreende ao perceber sua própria alienação... como pôde negar-se a plenitude da vida? Passa então a reivindicar o óbvio, mas que outrora deliberadamente alienado, passou a ser o não-eu... um recurso natural que lhe fora esvaziado. A alienação é um sistema mesmo muito cruel. Descola o ser de sua sombra, cria gente meio sem rosto... constrói um inferno trancado por dentro.
No entanto, mal havia percebido a alienação que se auto imputara, estava a iniciar o processo de vencer os obstáculos, recuperar a identidade, a autoria de si mesma, quando outra armadilha se apresenta... o outro, o círculo vicioso, a dependência, as lacunas não preenchidas, a infinita e infinita ausência... as faturas da vida...

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