quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

Maus poetas


Os dias eram completamente diferentes uns dos outros. Fazendo com que questionássemos a verdade da existência da primavera. Mas não por isso, exatamente. Quando se sai das rotinas padronizadas, previamente estabelecidas como padrões de vida, fica-se a navegar a deriva, com o desafio de encontrar novas formas de viver.

Sim, questionamos tudo, as instituições sacralizadas, as obrigações cristalizadas, nossos próprios quereres primários. Nunca sabíamos ao certo o que era nosso, o que nos era imposto. O que era do outro. Por suposto. As brincadeiras com palavras permitiam algum fôlego. Um fazer artístico rudimentar e sem compromisso. Sem compromisso mesmo... não nos importávamos com quem leria as nossas cartas, fazíamos para nós mesmos ou para o vento. Ou um para outro. Ou para ninguém.

Sublimação definia um pouco das nossas intenções. Nas palavras e no modo de viver também. A escrita permitia que lêssemos a nós mesmos. Desde sempre foi assim, conosco, maus poetas descomprometidos, como também com os bons. Os imitávamos como quem comparecia numa festa a fantasia vestidos com os devidos arquétipos. Uma forma peculiar de diversão. Mas voltemos, no começo falávamos sobre a primavera... só não façamos confusão, agora era sobretudo, sublimação.

Mas sublimar o que? Sabíamos ao certo? As paixões reprimidas ou vividas homeopaticamente? As palavras engolidas diante das travas do outro, com o eu exposto e imposto? As amizades entrelaçadas, mas impedidas pelo tempo e espaço? As mágoas contidas nos devorando aos pedaços? O enxergar nossos próprios limites e o quanto somos por tudo culpados? As noites jamais terminaram ou terminariam como gostaríamos...

Sim e não! Escrever como diversão e sublimação era só uma desculpa. Uma história que contávamos para parecer simples. Nossos ensaios escritos éramos nós descritos. E as palavras eram mágicas, davam formas a um abstrato perigoso e resoluto. Iam despindo as almas, revelando intentos, tornando grande o que parecia pequeno. A poesia, de aparência inofensiva, uma arma que as vezes era cura... outras, veneno!

Ilustração de Joaquim Cartaxo - feita para esta narrativa poética.

Um comentário: