Não, este não será um texto sobre o amor. Era, mas não é mais. Começou assim... numa agonia profunda provocada aparentemente pela óbvia desatenção do outro. O texto foi se formando em seu ser, sendo gerado com as palavras mais triviais, embaladas pela poética musical da vez, que mesmo variando, dizia sempre a mesma coisa.
Conforme o texto foi crescendo, as plataformas começaram a dar sinais de esgotamento. Mais uma vez escreveria um clamor ao outro? A música que ouvia e recitava seus sentimentos poderia sabê-la assim tão profundamente se fosse verdade o que acreditava ser a base de sua agonia? Quantas vezes este mesmo sentimento havia lhe visitado... as respostas poderiam ser sempre as mesmas? Não... aos poucos via com clareza.
Decidiu radicalizar no que lhe pareceu a sua mais possível verdade. Confessou então que nenhuma atenção jamais lhe seria suficiente (e que difícil era confessar aquilo). Para alguém algum dia fora? Não, era claro que não. Tivesse ele religiosamente lhe adorado ou profanamente lhe desejado dia após dia... estaria ela satisfeita? Sempre demandaria mais e mais e se fosse assim ele mesmo não existiria em verdade. A razão disso tudo morava em algo de outra natureza.
A paixão, este encontro de sintomas, este preencher lacunas incuráveis no entorpecimento da projeção sempre daria um jeito de agoniar-se. Cedo ou tarde a insatisfação se instalava e começava a gritar. E as projeções óbvias no outro eram os lugares comuns aos quais caminhávamos cegos, num círculo vicioso sem fim.
A verdade era que as razões para o amor faziam-se todas e nenhuma. Eram a presença absoluta e a ausência infinita. Que triste fim tinham as paixões absolutamente consumadas, terminavam em pó... muchas e acabadas, expressas ou em afastamento ou num errante pedantismo artificial e infantilizado. Por outro lado, as paixões nunca vividas eram um copo cheio de vazio, um alimentar-se de vento. Eis aí a contradição implacável do amar.
Pois então... não fosse um sofisma acusá-lo de desatenção, a solução posta talvez seria guardá-lo num pote, descaracterizá-lo, impedi-lo de ser. A resposta era não haver resposta! Não havia caminho sem tensão, contradição... sem paradoxo. Invocou então a dialética... a melodia da evolução cantava tese, antítese, síntese... podendo ser traduzida por encantamento, agonia... epifania! Esta música sim podia finalmente traduzi-la!
Todo amor ao outro era de alguma maneira sobre si mesmo. E ela sabia. Sempre soube... mas perder-se era uma tentação constante. Os mimimis estavam espalhados pela esfera social e eram mais perigosos que os demônios do mais alto escalão... e talvez os fossem! Descobriu então um caminho, uma razão.
Ela o buscava desesperadamente devido a intensidade que ele lhe despertara. Era a si mesma que procurava. Ele era sua zona de conforto feita de um permanente caos. Justo ela que bebia intensidade, evolução.... Como não amar-se mais diante do caleidoscópio que ele proporcionara? Essa era a graça. Ele era ela ou parte do que gostaria de ser... a possibilidade de ser, a prova de que podia.
Mas então é isto? Primeiro indigna-se que objeto de desejo seja uma pessoa que dança a nossa frente como quem tem vontades e maus humores... e o pior de tudo, tem também seus próprios e outros objetos de desejo... depois faz-se o confronto, a mea culpa, diagnostica-se a contradição da vida e acabou? Só existe o EU neste jogo permanente. E tudo fica resumido ao espelho? Confessa-se que a agonia, a tensão é responsabilidade de quem a tem e pronto, faz parte da vida?
Não!!! Vamos confessar aqui antes de ir embora a maior das mentiras... este é sim um texto sobre o amor. Os outros textos é que não são... as canções que choram de desatenção é que não sabem nada sobre o amar. Os outros textos, canções, poemas é que nunca puderam observar a agonia de cima, admirá-la... amar sobretudo a contradição expressa na intensidade da vida. Que ele, somente ele personificara ao entrar por aquela sala numa noite de agonia... uma cena eternizada!
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