Aquela tristeza era como um pêndulo, indo e voltando... num ritmo que ela podia prever. Mas tinha um tom diferente de outras coisas que estava acostumada a sentir. Era uma tristeza cercada de paz. Não era aquele sofrimento perturbador... era um vazio que ia e voltava, mas que ela ia preenchendo com suas sinapses, entendendo como tudo havia sido. Tinha memórias demais dos fatos que havia vivido com ele. As lembranças pulsavam ao seu redor, quase toda música, objeto, cheiro... carregava um pouco dele. Obviamente, as lembranças ruins , a forma como legitimara o silêncio entre eles, motivos que sustentaram o fim... eram mais vivas, parte natural de toda a superação... ao invés de negá-las, ela dava asas a elas... dava asas também as coisas boas que tinha vivido ao lado dele, procurava evitar armadilhas, não negar sua própria história... para que mais tarde nenhum resquício de dor pudesse traí-la. Triste desafio, colocar cada coisa em seu lugar. De repente passou a entender tantas coisas que não faziam sentido antes, posições de outras pessoas na história toda, decisões incompreensíveis de terceiras. Solidarizou-se com todas elas... sentiu o que poderia ser de si mesma se permanecesse ao olhar o retrato da outra... justo a outra, cujo nome ele confundiu com o dela, era muito do que não desejava ser. E não seria, porque sabia quem era... seguia... entre uma música do Caetano e outra, sentia... dava-lhe adeus. Era como destruir um ídolo, descontruir uma admiração nutrida por praticamente toda a sua vida adulta. Não negava a ele qualidades, mas sabia cada momento em que ele havia escondido a verdade... tentava digerir o seu inconformismo diante de tudo o que ele havia relatado em tantos anos, os padrões que ele afirmava desejar mudar, ele dizia querer um relacionamento regado a poesia, magia, cumplicidade... negou a ela cada um desses elementos, ofereceu-lhe um silêncio frio, vazio de sabor, uma relação embevecida de fugas, de elementos clichês. Em outros tempos, passavam tardes inteiras a dialogar com gosto, verdade... depois passara a pejorativizar qualquer diálogo sincero, chamando de discussão ou outro termo banal qualquer. E assim, pensando nessas coisas, com calma, com amor por si mesma, com uma fruição profunda da tristeza de um mundo inteiro dentro dela, se despedia dele... para não mais reencontrá-lo.
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