Tenho feito diversas reflexões sobre o amor, buscando referências neste sentido, além de minhas experiências nessa questão. Há um rabido, o qual já citei aqui no blog, Nilton Bonder, que escreve muito sobre este tema, a partir de uma visão da Cabala e da Torat (ou Pentateucos para os cristãos).
Em um de seus livros, Bonder diz que somos seres capazes de alcançar entendimento em quatro planos da vida, o plano material, o plano anímico-racional, o plano espiritual e o plano divino.
Sendo assim, ele fala de um dos principais mandamentos bíblicos sobre o amor: "Ama teu próximo como a ti mesmo". E propõe como progressivamente esse mandamento pode ser entendido em cada um dos planos.
Afirma que no plano material (que é também o mais rudimentar deles) o exercício de amar o outro deveria começar com: "odeia o teu próximo como a ti mesmo". Ele exemplifica bem, digamos que você esteja no trânsito e alguém faça uma "barberagem", imediatamente seu ódio vem à tona, junto com uma vontade de xingar, buzinar... então, quando isso ocorrer, ele nos convida a questionar se, caso fossemos nós que tivéssemos cometido tal infração, se nos odiaríamos, como somos capazes de odiar o outro.
No plano anímico-racional, que inclui nossas emoções e racionalidades, o mandamento poderia ser traduzido como: "não faça para o outro o que você não quer que seja feito a você". Neste caso, fica evidente a racionalidade da questão, o conceito de empatia, e a ética para uma boa convivência, tipo... trate como você deseja ser tratado.
No plano espiritual, o mandamento não tem tradução, é ele mesmo: "Ama teu próximo como a ti mesmo". E neste caso, estamos falando de algo maior que empatia, e não só de amar o outro, mas principalmente de amar a si mesmo... só podemos oferecer ao outro o recurso que temos em nós (e na verdade este é o tema do texto que daqui a pouco será mais clarificado).
E por último, no plano divido, o mandamento já não é mais mandamento, é parte do ser: "Eu amo o outro porque o outro sou eu, e nós somos o todo". Aqui mora uma percepção de que somos micro parte de um macrocosmos, e que não há vida ou existência sem relação.
Pois bem, depois desta longa introdução, quero voltar ao conceito fundamental, "ama teu próximo como a ti mesmo". Como eu já disse acima, amar o outro exige amor próprio e obviamente isso está em jogo neste conceito. Ocorre que ao observar meu longo conjunto de relações romantico-afetivas, percebi ter havido nelas um desvio deste equilíbrio. E onde podem ser localizados tais desvios? Bem... ai vamos nós. Acho que muitas relações que deveriam ser de amor, estão em outra base, a relação Objeto-Ídolo.
A relação Objeto-Ídolo ocorre quase sempre quando não há equilíbrio entre o amor próprio e o amor dedicado ao outro. Ao nos sentirmos maior que o outro na relação, nós o submetemos as nossas vontades, caso o outro permaneça na submissão, então, este passa a nos idolatrar, e nós a tratá-lo como um objeto. E objetos não tem suas vontades respeitadas, suas queixas ouvidas. Objetos devem ficar onde estão e servem apenas para serem usados.
O contrário também é verdadeiro, quando idolatramos alguém, por mais que nossa identidade esteja usurpada naquela relação, pensamos que todo sacrifício vale a pena para estarmos ao lado daquela pessoa, negociamos nossos valores, escondemos nossos desejos e vontades, afinal, para nós, aquele ser é uma espécie de deus, e não há nada mais importante do que contemplá-lo e agradá-lo.
Não acho que essa relação seja linear. As vezes somos ídolos numa mesma relação que outras vezes somos objeto. Mas o fato é que toda submissão obtida por vias subjetivas, emocionais, é uma forma de objetificação e idolatria. Há pessoas que não tem amor próprio, possuem apenas um ego desenvolvido, e conseguem submeter o outro, submetendo-o a adorá-lo. E há pessoas que também não tem amor próprio, e que permanentemente se colocam como objeto, adorando o outro numa relação. Mas creio que na maior parte dos casos isso está bem bagunçado dentro de nós... as vezes somos ídolos outras vezes somos objetos.
Mas a tristeza de tudo isso é que raramente somos pessoas, amando o outro como a nós mesmos, deixando claro nossos limites e respeitando os limites do outro. Acho que este é o grande desafio relacional. Tanto uma posição como outra aqui demonstrada são formas de desumanização.
Ao chegar nesta elaboração, e olhar para as minhas relações romantico-afetivas sobre este viés, percebo o quanto tudo isso se aplica a mim, o quanto eu me fiz ídolo e me fiz objeto nas minhas relações. Ou eu considerava o cara superior e me submetia, negociando valores e me anulando para estar ao seu lado, ou ainda, o considerava um objeto, retirando-lhe a humanidade a meu bel prazer. É preciso outro tipo de aprendizado, a construção de um equilíbrio entre se amar e oferecer amor. Independente de quem for o outro, o que ele tenha, ou a trajetória que tenha percorrido, não podemos lhe ignorar que ele é tão pessoa como nós.
Talvez esse conceito não se aplique somente ao tipo de relações aqui abordadas, mas a todas. Nos sentimos inferiores ao quê ou a quem quer que seja quando tornamos o outro ou aquilo um deus. Nos intimidamos com a casa do outro que é melhor que a nossa, com um emprego que é melhor que o nosso, com uma aparência melhor que a nossa... essa sensação, seja de inveja ou admiração, é idólatra... pois nos inferioriza e objetifica, retiramos assim a humanidade que nos identifica.
Ama o teu próximo como a ti mesmo, um conceito simples... simples de tão complexo que é!!!