quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Sobre o aborto e os diálogos simplistas

                                
                                Para variar, qualquer tema polêmico no Brasil vira uma conversa de torcida. E com relação a decisão do STF sobre o aborto até o terceiro mês não ser mais considerado crime, foi a mesma coisa.

                       As redes sociais estão infestadas de simplismos. De um lado gente dizendo que defender a vida é ser contra o aborto, pois o feto não tem escolha, de outro lado, gente dizendo que defender a vida é defender a mulher e suas escolhas. 

                        Há quem tente ir um pouco mais além disso com reflexões um pouquinho mais elaboradas, discutindo que aos três meses todos os órgãos já estão formados, ou ainda, afirmando que o aborto acontece constantemente, e as mais prejudicadas são as mulheres pobres, trazendo assim, um recorte de classe para a questão.

                                  Contudo, ainda acho que nada disso deveria realmente ser o debate que devemos fazer, pois quase sempre, seja de um lado ou de outro, as opiniões estão carregadas de moralismo ou paixões ideológicas.

                                Apesar de eu ter minhas opiniões pessoais sobre o tema, acredito, que a legalização e a descriminalização em si não são exatamente as questões mais fundamentais. O ponto chave neste debate, para mim, é como a maternidade é encarada pela sociedade e sua expressão de poder, o Estado. 

                                 Acho que a interrupção de uma gravidez até poderia ser proibida, desde que em última instância, o Estado se responsabilizasse pela maternidade. Num cenário em que as mulheres grávidas em situação de vulnerabilidade fossem acolhidas de forma plena, com os devidos cuidados e garantias, e depois de a criança nascer, lhes fosse oferecido auxílio financeiro, psicológico, alimentar, de moradia entre outras necessidades... eu não veria grandes problemas nesta proibição.

                                      Ocorre que na real, temos um Estado caótico, que julga mulheres e promove a misoginia por todos os lados, colocando nos ombros das mulheres tudo o que se refere a manutenção da vida.

                             Já quanto ao aborto masculino, quase ninguém vê grandes problemas. Pais somem, não assumem seus filhos, não registram, não pagam pensão, não auxiliam nas decisões quanto a educação, são ausentes mesmo dentro de casa. E não são julgados por isso nem de longe com o mesmo rigor.

                          Por outro lado, não acredito que a simples descriminalização do aborto, resolverá nossos problemas neste âmbito. A interrupção de uma gravidez deixa gravíssimas sequelas na identidade e na história de uma mulher, gera profunda culpa, e marcas no corpo. Por isso, mesmo essa hipótese também não pode ser feita de qualquer maneira.

                         Para ambas as opções políticas em questão, seja a proibição do aborto ou a permissão para a interrupção da gravidez, necessitamos de um nível de intervenção nas políticas públicas que o Estado brasileiro está atrasado anos luz. 

                          Trabalho no atendimento de mulheres vítimas de violência ou de crimes sexuais, numa cidade do sul do Brasil, considerada desenvolvida, e nem por um dia sequer, deixo de ver atrocidades que vitimam mulheres. E que o Estado não se importa, faz campanhas demagogas, mas não oferece uma estrutura adequada para acolhe-las. 
 
                               Nessa questão do aborto, teremos que enfrentar as mesmas mazelas. Contudo, o que vejo é que mais uma vez, a população ao invés de cobrar um Brasil diferente, uma política de acolhimento, brinca de guerra de torcida moralista no facebook.

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