A maior parte dos mortais deste mundo, ao menos do mundo que nos cerca, América-Latina, Brasil, região Sul, ou qualquer coisa assim... foi mais ou menos negligenciado na infância. Pais jovens demais e despreparados, pais velhos demais e cansados, pai ausente, mãe neurótica, muitos irmãos, filhos únicos superprotegidos... enfim, por diversos motivos carregamos lacunas emocionais da infância.
Ocorre que, no geral, estas lacunas emocionais não são pequenos traumas inofensivos que vamos superando naturalmente ao longo do tempo, podemos até superá-las, mas é necessário gasto de energia nessa direção. Por isso tantos profissionais da psicologia. Pois essas negligências nos deixaram marcas severas, embutiram em nós medos, sensações de desamores, de rejeição e por aí vai.
Tenho trinta e um anos e sei que a minha geração e os que vieram antes
de mim ao menos, com raras exceções, foram crianças em um mundo em que criança não era respeitada
como ser humano em desenvolvimento, era alguém sem voz nem vez... o
lance era obedecer e ficar quieto, se não a cinta estralava. E também
não havia energia dos pais para o incentivo a construção de uma
identidade na infância, éramos "alguéns" meio genéricos... tipo, crianças.
Havia um mundo paralelo infantil e um mundo adulto, no mundo paralelo infantil, com irmãos e amigos de escola, íamos formando uma identidade, que quase nunca era contemplada, vista, respeitada pelo mundo adulto, fundamentalmente pais e professores.
Muitas consequências advieram dessa realidade, traumas, culpas, falta de noção de quem realmente somos e qual é nosso lugar no mundo, entre tantas outras coisas. Mas das principais consequências das negligências paternas e maternas da infância, quero destacar aqui uma, que é adquirir a busca incessante por alguém que cuide de nós, se responsabilize por nossos problemas, que diga: "deixa que eu resolvo"!
Isso porque no período em que mais precisávamos disso, do cuidado de um adulto, não tivemos plenamente. Nossos pais, na melhor das hipóteses fizeram o possível diante de suas condições, muitas vezes precárias. Mas este possível que foi feito, quase sempre está aquém daquilo que necessitávamos.
E por isso essa busca por uma pessoa que se responsabilize pelos nossos problemas, é justamente uma das principais causas ou sintomas da infantilização e do não ingresso na vida adulta realmente. Poucas pessoas percebem que a maior parte de suas relações e afetos estabelecidos, tem esse fator como pano de fundo. Há também outro pólo da questão... aqueles que pelos mesmos motivos, tornam-se especialistas no cuidado com o outro, mesmo quando não devem. O "cuidador profissional", que no fundo, me parece que cuida para conseguir ser cuidado em algum momento também.
Diante dessas reflexões, dessas questões não trabalhadas e superadas da infância, tenho a impressão que há um um exército de adultos infantis, homens buscando suas mães em suas esposas, mulheres buscando o casamento para não assumir a responsabilidade plena de uma vida adulta. Profissionais que transformam seus ambientes de trabalho numa extensão de seu cenário emocional caótico e tentam suprir suas carências o tempo todo, ou outras tantas fugas que poderíamos elencar aqui.
Temos uma sociedade carente de adultos, de gente que realmente sabe quem é, que não foge de seus problemas, que enfrenta, vai atrás das resoluções, assume responsabilidades. Que não tapa o Sol com a peneira.
Mas então o que é ser adulto? Para mim, ser adulto nada mais é do que se responsabilizar por si mesmo antes de tudo, e não só com o peso que isso traz, de pagar as contas no fim do mês, de ter um trabalho ou uma carreira, de limpar a própria casa, lavar roupas, fazer planejamento de vida... mas também com a leveza.
Responsabilidade tem a ver com a questão do cuidado, cuidar de si mesmo é essencial para o ingresso na vida adulta, e não esperar sempre que alguém faça isso por nós. Cuidar é também contemplar, reparar, entender os sinais do próprio corpo, evitar auto-julgamentos severos, se perdoar.
Penso que alguns passos para ingressar neste cuidado consigo mesmo, e realinhar questões emocionais mal desenvolvidas na infância, suprir a falta que pais e mães, no geral, também infantilizados, deixaram, é estabelecer um diálogo com a nossa infância.
Trazer certas coisas à memória, que estão escondidas na sombra do inconsciente, ir ao passado, conversar com aquela criança assustada que teve que aprender cuidar de si mesma tão cedo e de maneira tão precária, ou que foi sufocada por um pseudo-cuidado exagerado, ou que sentiu a culpa pela ausência do pai. É necessário que peguemos aquela criança no colo e sejamos capazes de dizer a ela: "não tenha medo, agora sou eu que cuido de você". E então, provavelmente seremos bem vindos à vida adulta!!