quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Crônicas de Delegacia II: Fechar os olhos



Como em uma história de novela, Carla, parecia ser a mocinha. Uma jovem mulher trabalhadora, lutadora. Mãe de dois filhos, casada, emprego fixo. Mania de limpeza, sua casa era um brinco. Sua imagem também, impecável, unhas feitas por ela mesma, mas bem feitas. Maquiagem leve, luzes no cabelo castanho.
Carla trabalhava como costureira em uma fábrica, ganhava pouco, mas com o seu salário e o do marido, tinham uma vida digna, capaz de suprir as necessidades daquela família. A empresa em que exercia sua função, no geral era um bom local de trabalho. Um ambiente saudável, relativamente leve. E Carla era uma funcionaria de confiança, alguém reconhecidamente de bom caráter,  por isso tinha grandes perspectivas de crescer na empresa.
Porém, nas últimas semanas, Carla percebera algo um pouco estranho, a empresa que confeccionava bonés e camisetas promocionais para festas, eventos, etc., tinha agora um novo desafio produtivo. Fabricaria grandes marcas.
Carla achou um pouco estranho que a pequena fábrica em que trabalhava, numa cidade do interior, pudesse começar a fabricar marcas tão relevantes. O alerta de sua intuição ligou. Mas ela seguiu em frente, afinal era apenas uma funcionária. E depois, certo ou errado, isso era comum, normal. Quantas vezes comprara um DVD na banca da rua de um filme que ainda estava em cartaz no cinema, quantas vezes fora a 25 de março em São Paulo comprar uma besteira ou outra.
Contudo, por mais normal que tudo parecesse, não era lícito. E em uma manhã de quarta-feira, isso tudo ficou claro. A polícia entrou. Os donos não estavam lá. E na ausência deles, Carla apresentou-se como responsável pelo local. Ela, uma mulher simples e de bem. Não tinha medo, porque achava que não devia nada, apenas cumpria sua função.
Mas as provas do crime de falsificação, estavam lá. Um flagrante delito. E Carla, que sempre assistia na televisão casos extremos, agora era protagonista, na vida real, de uma história triste. Estava presa. E também desesperada. Não acreditava que aquilo pudesse acontecer com alguém como ela, muito menos com ela.
Um dia inteiro de tensão, na véspera de um feriado, se as coisas não melhorassem naquele mesmo dia, tudo se prorrogaria ao menos por quatro dias, quatro eternos dias, e o pior, quatro noites, num ambiente que jamais imaginou estar, que jamais desejou estar.
Não conseguia comer, não conseguia pensar. O advogado que a empresa mandara não lhe inspirava confiança. Perguntava-se até onde aquela terrível circunstancia iria. Sentia muita dor. Sentia raiva, vergonha, culpa, humilhação. Só pensava em ir embora, em seus filhos, nas pessoas que amava. O que elas pensariam? Como ela andaria novamente de cabeça erguida?
Ao fim do dia, quando o Sol já estava indo embora, pode finalmente respirar. O juiz havia expedido seu alvará de soltura, responderia por aquele fato ilícito em sua casa, poderia provar que não estava envolvida, que só cumprira ordens.
Um trauma. Mas também uma lição. Não pode haver naturalização do crime. Basta ser pego uma única vez para que as coisas se compliquem. E mesmo que você não o cometa, fechar os olhos é compactuar com ele. Carla nunca mais seria a mesma depois deste fato. Aprendera que tudo na vida passa por escolhas. E que ficar calado, as vezes, pode ser a pior de todas elas.  

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