Dona Laura vagava pelas ruas dia após outro. Os moradores estavam acostumados com sua presença. Volta e meia batia palmas na frente das casas, pedia um café, um prato de comida, e assim o tempo passava, assim o seu tempo ia. Dormia no antigo bar do campo de futebol do bairro. Ali acumulava coisas que as pessoas não queriam mais, objetos que tinham com ela mesma, profunda identidade.
Mas em uma madrugada qualquer, destas que ninguém teve insônia, a angústia da maior parte de quem vive, chegou a ela. Possivelmente acordada, provavelmente em meio a dor. E só, absolutamente só. No pescoço uma corrente, com um pingente de cruz, onde talvez, guardasse a esperança... não sei. Sei que o que estava ali não era ela, não mais. Um objeto rígido, entregue, vazio. Ela não tinha ninguém, não era prioridade na vida de ninguém, sua única sobrinha fora contactada, e ao saber da notícia, não pode comparecer ao local, pois estava ocupada. E assim partiu, no fim de sua história, um frio boletim de ocorrência. As fotos de seu corpo ausente de alma para o registro policial talvez tenham sido os únicos retratos seus em toda a vida, ou talvez não, talvez antes tenha tido alguma história bonita, alguma história de amor. Em sua memória, além dos registros oficiais, esta crônica, esta crônica de delegacia.
Como dizem aqui na argentina quando um artista morre, " se fue de gira" ou seja " Dona Laura saiu em uma turnê"...e ja passou por aqui!!
ResponderExcluirQuantas histórias se escondem por trás de um BO...
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