domingo, 16 de março de 2014

Abrigos


Se não bastassem os pulsos,
Controlaria teus impulsos?
Se não dividíssemos tantos espaços,
Menosprezaria, você, os meus passos?
Se te sobrassem sentidos,
Menos sofridos e mais amados,
Nos teus pretéritos próximos
e passados.
Sim, haveria abrigos.
Mais doces, menos falados.
Amigos? Sei lá!
Olhares daqui, Olhares dali,
Olhares de lá... o que há?




sexta-feira, 14 de março de 2014

Hitler do Cotidiano


Conheci pessoas que tem ou tiveram sua liberdade muito restrita, através da prisão. E no diálogo percebi o quanto isso representava uma grande dor em suas vidas. E o quanto a liberdade de ir e vir é preciosa para o ser humano, e que ninguém deseja encontrar-se numa situação como esta. No entanto, todos os que estão objetivamente presos, terão finitas a sua prisão um dia. Seja em vida, seja na morte, um dia, sabem, que aquilo passará.
Contudo, conheci e conheço pessoas que tem suas almas aprisionadas em seus próprios egos absolutos. Gente que vive à merce das circunstâncias, com necessidade constante de auto-afirmação, incapazes de estabelecer vínculos ou de exercer generosidade, com mágoas profundas, com incapacidade de perdão. 
Conheço pessoas aprisionadas em suas próprias misérias, que restringem seu mundo a ambientes mesquinhos e jogam tudo de si na construção de coisas vãs. Conheço pessoas que acreditam no poder como forma de construção de sua identidade, que apostam que ao serem temidos serão melhores. 
Conheço pequenos "Hitleres do cotidiano". Pequenas autoridades ridículas e imbecís, destas que ao vê-las temos vontade de ser Charlie Chaplin. Pessoas que tem a certeza de que "os presos" são os outros. Mas se enganam.
Sim, os presos estão presos, mas cedo ou tarde, serão libertos. E ainda assim, mesmo no cárcere podem ter experiências libertadoras. Mas aqueles, mergulhados na mediocridade de seus egos absolutos podem nunca conhecer a liberdade de ser coletivo, de ser vínculo, de ser luz, de ser generosidade, de ser vida, de ser amor, de ser leveza, ser sorriso fácil, de ser paz... no fim das contas, tenho mais pena destes "Hitleres do cotidiano", que torturam e tem uma consciência estúpida de que são poderosos, mas aprisionam suas almas num inferno trancado por dentro, do que daqueles envoltos em grades de ferro.

terça-feira, 11 de março de 2014

Crônicas da política cotidiana I: Sobre o que é política...


Política é vínculo coletivo. É gente capaz de estabelecer relações de confiança. É síntese da ligação entre pessoas que se permitem sonhar juntas. Arrisco até dizer, que poucas relações são mais íntimas do que a relação política profunda e real entre dois ou mais indivíduos. Compartilhar utopias é algo extremamente particular, íntimo... porque no compartilhar de nossos sonhos por uma sociedade diferente, sonhos estes, nos quais quase sempre nos enxergamos como protagonistas  das transformações... realizamos o ato de despir a alma, despir nossa loucura positiva mais escondida, que diz sobre como vemos o mundo e como enxergamos a nós mesmos. Fato muito mais íntimo e raro, diga-se de passagem, do que o ato simples de despir os corpos. Isso é tão verdade, que volta e meia adversários políticos de longa data, no fim da vida, acabam se tornando grandes amigos... porque apesar de terem divergências, compartilharam sonhos de transformação da realidade. Política se faz na construção de relações saudáveis entre pessoas, que movidas por um mesmo projeto ou ideal, unem-se e o constroem. Ou mesmo se opõem, também no ato de construir os sonhos. O líder, ou os líderes políticos de verdade, capazes de marcar a história positivamente, são aqueles que primeiro se levantam, e que seguem de pé. Aqueles que são capazes de ter independência e autonomia para criar, e criam a partir de um conhecimento da realidade, capazes de traduzir em seus discursos e ações o que era abstrato nos corações da coletividade. E ainda, são os que tem energia e coragem para sustentar a construção do projeto coletivo em meio as dificuldades encontradas. Líderes são pessoas apaixonadas por processos evolutivos. Gente que não gosta de zona de conforto. Que carrega consigo uma inquietação constante e uma coragem de ouvi-la. Para que um grupo político dê certo é necessário isso. Antes de qualquer coisa, vínculo, relação profunda, capacidade de confiar no outro, sonho em comum e líderes. Gente não adaptada ao sistema, cheia de coragem para agir e capacidade de pensar e sentir quanto ao que precisa ser mudado. Política é também muitas outras coisas. Teóricos se referem a ela com mil e outras definições. Contudo, na prática, qualquer tentativa de realização política que não inclua vínculos entre pessoas, relações, sonho em comum e liderança, é usurpação.

quinta-feira, 6 de março de 2014

Seus olhos


Seus olhos eram simples, diretos. E por isso mesmo é que eram demasiadamente complexos. Firmes, retos! Sim, havia uma força incomum naquele olhar. Todo o resto de suas ações partiam dali. A totalidade de sua face orbitava em volta daquele núcleo paradoxal. Lábios, nariz, sobrancelhas, linhas de expressões, marcas eram coadjuvantes perfeitos, componentes submissos daquela força nuclear. Seu corpo era diretamente proporcional aos seus olhos. Ambos, intrigantemente admiráveis. Mas o que havia de diferente? Uma vez alguém pensara..."não há vazios neles." Mas como não há vazios? Era possível vez por outra encontrar ali uma tristeza, uma consciência plena de que a vida vinha embutida de dor. Uma noção de que neste mundo há desamor. Sim. Mas isso não era ausência. Era apenas a consciência, o enxergar, que tudo o que há nesta vida é pequeno, efêmero e há de passar.

terça-feira, 4 de março de 2014

Contradição


Um dia penso na humanidade,
Outro dia tenho que fazer revistas.
Em um momento penso
Na transformação da realidade,
Em outro, faço o B.O. da perda de reservistas.
Em um instante sou juventude,
Na manhã seguinte, sou polícia.
Numa noite vou pra folia pular o carnaval,
Na outra, sou plantonista.
Num dia sou alegria, sou festival,
No outro, melancolia.
No domingo participo da eternidade,
Na segunda, da revelia.
Num determinado momento sou central,
Em outros tantos, periferia.
E se hoje falo e vivo de socialismo,
Amanhã, sem desejar, participo da mais-valia.
E em um dia exponho e construo o pensamento,
No outro, a hipocrisia.
Em uma hora sou futuro, sou paixão,
Na hora seguinte, anacronia. 
Em uma vida sou opressão,
Na outra sou rebeldia.