domingo, 27 de março de 2011

Eros e Psique - Fernando Pessoa


















Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada.

Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.

A Princesa Adormecida,
Se espera, dormindo espera,
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.

Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado,
Ele dela é ignorado,
Ela para ele é ninguém.

Mas cada um cumpre o Destino
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.

E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora,

E, inda tonto do que houvera,
À cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia.

Por Clarice Lispector...

















Olhe para todos a seu redor e veja o que temos feito de nós.
Não temos amado, acima de todas as coisas.
Não temos aceito o que não entendemos
porque não queremos passar por tolos.
Temos amontoado coisas, coisas e coisas,
mas não temos um ao outro.
Não temos nenhuma alegria que já não esteja catalogada.
Temos construído catedrais,
e ficado do lado de fora, pois as catedrais que
nós mesmos construímos,
tememos que sejam armadilhas.
Não nos temos entregue a nós mesmos,
pois isso seria o começo de uma vida
larga e nós a tememos.
Temos evitado cair de joelhos diante do primeiro de
nós que por amor diga: tens medo.
Temos organizado associações e clubes
sorridentes onde se serve
com ou sem soda.
Temos procurado nos salvar,
mas sem usar a palavra salvação
para não nos envergonharmos de ser inocentes.
Não temos usado a palavra amor para
não termos de reconhecer sua contextura de ódio,
de ciúme e de tantos outros contraditórios.
Temos mantido em segredo a nossa morte
para tornar nossa vida possível.
Muitos de nós fazem arte por não saber como é a outra coisa.
Temos disfarçado com falso amor a nossa indiferença,
sabendo que nossa indiferença é angústia disfarçada.
Temos disfarçado com o pequeno medo
o grande medo maior e por isso nunca
falamos o que realmente importa.
Falar no que realmente importa é considerado uma gafe.
Não temos adorado por termos a sensata mesquinhez
de nos lembrarmos a tempo dos falsos deuses.
Não temos sido puros e ingênuos para
não rirmos de nós mesmos e para que no
fim do dia possamos dizer “pelo menos não fui tolo”
e assim não ficarmos
perplexos antes de apagar a luz.
Temos sorrido em público do que não sorriríamos
quando ficássemos sozinhos.
Temos chamado de fraqueza a nossa candura.
Temo-nos temido um ao outro, acima de tudo.
E a tudo isso consideramos a vitória nossa de cada dia…

segunda-feira, 21 de março de 2011

Uma alma que escorre...















Há tantas coisas a serem ditas
E ao mesmo tempo nada para falar...
Uma viagem tão longa que as vezes creio
Que a essência era mesmo o viajar...
Não há em mim arrependimentos,
Não há em mim inocências mal resolvidas...
Mas há sim um cansaço...um sentimento quase escasso...
Uma perturbação da paz... o anúncio de um estrago...
Um amor tantas vezes crido... relatado, escrito... amado.
Um ego em seu centro destruído, desgastado, contrariado...
Há de um lado uma pulsão de vida, uma voz que grita...
Um tempo que corre, uma motivação que exala,
Uma canção que embala...
E do outro lado a usurpação de uma vida que não é minha...
Um corpo que morre, uma alma que escorre...
Um quarto escuro sem porta...
Um tempo que para... uma luz que apaga...
E pede para ir embora.

sexta-feira, 11 de março de 2011

Resta dizer...















Todo ser humano reflexivo e que não foge de si mesmo sabe o que é sentir solidão... não é uma sensação boa, mas no geral, estamos acostumados... de certa forma entendemos como alguns processos são solitários... escrever por exemplo é um processo essencialmente solitário, ninguém pode realmente ajudar, alguns podem dar idéias, mas no fim, é preciso estar sozinho... A solidão dói, mas quem sofre disso desde criancinha, está acostumado, e no geral leva de boa...
Mas há uma outra solidão que dói mais: a solidão do outro quando o outro é o ser que mora em nosso coração... pior do que estar só, é ver quem amamos sofrendo de solidão e não poder fazer nada para curar isso, para aliviar a dor alheia... doído mesmo, é amar e não poder ajudar quem se ama...
Quando a dor é nossa, no geral já a conhecemos, mas a dor do outro dói mais na gente...
O fato é que a solidão é um sentimento demasiado humano... seja a nossa ou a do outro, cedo ou tarde ela chega... quando a solidão é nossa, podemos suportá-la e podemos até fazer algo para suprimí-la, mas quando a solidão é a solidão de quem amamos... não nos resta muitas ações...
E a mim, acho que resta escrever, pra dizer que sinto a solidão alheia, que sofro por ela... resta dizer, que simplesmente, choro contigo!

quarta-feira, 9 de março de 2011

Insubstituível















As vezes minha alma insiste em ser comum...
Mesmo com todo seu treinamento...
Mesmo com todo o meu desempenho...
Meu coração insiste em ser criança,
E meu olhar insiste pela terna e eterna dança.
Minha alma que tantas vezes parece ser tão complexa...
Insiste em se surpreender, em ficar perplexa..
Diante de mais uma das mil imagens
Que os meu olhos tem de você.
Minha alma, que ingenuamente se constituiu tão adulta,
Minha personalidade, que negativamente
Desde criancinha fora tão madura...
Insiste em chorar de saudade...
Em afirmar que nada substitui em minha vida a verdade
De que eu amo você...

A Linha do Equilíbrio


A linha do equilibrio me parece que é sempre muito tênue... Quando se deve falar, quando se deve ouvir...Quando apenas devemos ficar em silêncio entendendo o que ele nos diz... Há momento certo para agir. E há momento certo para digerir.
A bíblia diz, em Eclesiastes, que para tudo há tempo nesta vida. Tempo de paz, tempo de guerra, tempo de plantar e tempo de colher...acho uma passagem bonita. Porém, um desafio muito difícil de perceber o momento certo para cada coisa quando somos nós mesmos os agentes da história... Confesso que tenho a impressão que em muitas horas de calar, falei, muitos momentos de parar, agi, alguns momentos de agir, parei...
O difícil é pensar que a vida depende de nós, que a nossa postura diante dos fatos pode mudar o curso... mas no fundo acho que não é bem assim...
Há tantos elementos, e penso que quando os ciclos fecham, eles simplesmente se fecham... e as coisas se resolvem ou não... e quando não, talvez possamos ficar com o famoso ditado popular: "o que não tem remédio, remediado está".
Penso que esta reflexão não combina muito com uma pessoa que é militante política... mas não é de objetividade que estou me referindo... não é do papel que acredito que cada um deve desempenhar na história do país. Estou falando das relações pessoais, da intimidade. Acho que no fim, as coisas que devem fluir, fluem, e aquilo que não fluiu passa e nunca saberemos como teria sido... mas o que não foi, não foi... e não devemos carregar um peso imenso em nossas costas pensando que poderiamos ter mudado tudo, quando o tempo pra isso já se foi... não estou excluindo aqui a obrigatoriedade de sermos seres ativos em nossas vidas... mas penso que na verdade as nossas ações exigem motivações e se em algum momento não as tivemos, não poderíamos ter agido.
Motivação, força, recurso interno, intimidade, amor, paixão, não são coisas que podemos criar, adotar como meta, simplesmente as temos, e a partir delas é que encontramos as motivações...
No fim, eu concluo então, diferente da provocação do início, que as linhas do equilibrio não são tão tênues assim... o equilibrio é ou não é... e no fundo tudo leva a ele, seja a resposta sim ou não que a vida venha a nos dar...

terça-feira, 1 de março de 2011

Em terra de cego


Oscar Wild disse uma vez que "poucas pessoas realmente vivem, pois a maioria apenas existe".
Cada vez mais concordo com ele... mas hoje de uma forma um pouco diferente. Quando ouvi essa frase pela primeira vez associei, quase sem querer, a uma questão de classe, pensando então nas pessoas que trabalham o dia inteiro, chegam a noite, assistem novela, mal conversam com aqueles que moram sob o mesmo teto, comem, dormem, e no outro dia começam de novo... continuo achando que isso não é viver, é apenas existir... mas, fiz uma nova reflexão a respeito dessa frase... penso que não só as pessoas que compõe a base do sistema, oprimidas por um regime de trabalho absurdo, apenas existem... acho que esse estado vital vegetativo, falando subjetivamente, vai além. Tem muita gente que pensa que vive, mas não vive... escolhe não viver, escolhe a comodidade, escolhe ser apenas mais um ser medíocre na face da terra, colocando-se um monte de desculpas para não sair do lugar...
Puro "Mito da carverna", vê a sombra da vida e pensa que aquilo é viver... e quando vem alguém e diz que há outro tipo de existência, cedo ou tarde, esse alguém será rejeitado...
É, a maior parte das pessoas apenas existem, por mais potencial que tenham para viver, trancam-se em seu inferno e engolem a chave, fazem com a vida uma troca paupérrima de compensações que mantém tudo no mesmo lugar... e por mais que flertem com uma possibilidade diferente, cedo ou tarde a rejeitarão, seja por ação ou omissão.
Como disse um conhecido meu, contrariando o ditado: "em terra de cego quem tem um olho é odiado, perseguido, agredido e, por fim, tem o olho arrancado. A mediocridade nivela por baixo e não aceita ser denunciada".
O lance é procurar uma terra, mesmo que pouco povoada, em que todo mundo enxergue, pelo menos um pouquinho...