quinta-feira, 27 de setembro de 2018

Fosse como fosse



Todas as relações eram encontros energéticos cujas partes apresentavam compatibilidades de seus encaixes, para o bem e para mal. No aparato das compreensões humanas, as maneiras de arbitrar revelavam as marcas definitivas impressas nas almas de cada um. As possibilidades de transformações, ainda que remotas, existiriam somente condicionadas ao reconhecimento de si em meio a tudo o mais existente. Os olhares eram atrapalhados pelo primário senso de inautenticidade e adulteração infiltrados pelas culpas envoltas das contradições dos compromissos tácitos e expressos. Auditar e editar o próprio pensamento, remendar e recompor os olhares... desafio da tríade pensar-falar-agir. As verdades eram precárias, as mentiras revelam uma dimensão até mais honesta da alma e fazia-se necessário escapar da força gravitacional das certezas. Ser o que não se é, transformar o outro no objeto das expectativas... a pretensão refletida no ensimesmamento que afastava o pensamento da dimensão da unidade e a doença revelava o saber que a racionalidade não queria aceitar. Onde estaria o que é autêntico? Permitir-se entrever e intuir... montagens abstratas e sinapses reverberavam para dentro o que se experimenta no mundo... e entregava ao mundo o que se constituía lá dentro. Isto porque o amor é... e fosse como fosse, mesmo no menor espaço, no menor tempo... inundava a vida com os seus requintes sutis de empatia, transformando os diálogos mais apequenados em experiências transcendentais e risadas genuínas.  

segunda-feira, 10 de setembro de 2018

Pólos Opostos


Cada cena que construíram juntos naquela noite era uma confissão de suas faces mais ocultas para consigo mesmos. A ação consumada na presença um do outro dava contornos para o que antes, desforme, talvez morasse nas linhas tênues entre a consciência e os planos oníricos de cada um. Se de um lado,  era um tanto quanto estranho o outro sabê-lo tão nitidamente, para além disso, perturbador era rememorar a própria imagem a protagonizar os fatos. Testemunhas de um delito subjetivo com elementos de concretude. Assombrosa vitalidade que denunciava uma energia obscura de tal modo impressa em seus espíritos que não puderam resistir. E talvez não poderiam novamente, assim que se recuperassem de um avassalador esgotamento imposto pela necessidade de reconfiguração de seus recursos internos. A proposta, aparentemente, contradizia em demasiado o que o mundo entendia por suas identidades. E ao mesmo tempo não. Pois cortejar a loucura talvez fosse o principal elemento da manutenção de suas sanidades. O domínio revelava uma disposição sutil e profunda de amar a qualquer custo, depositando ali toda a energia do mundo, e o submeter-se clarificava uma força consolidada a ponto de entregar-se totalmente sem o medo de se perder. Mas os corpos eram templos para uma causa por demais humana... quase ilegítima, a não ser pelo compartilhamento tão revelador que os colocavam em profunda vulnerabilidade, que se não o fosse, ao menos muito lembrava a energia mais poderosa do universo, vulgar e divinamente conhecida como amor. Frente a frente, embevecidos de contradições, vivenciavam um aspecto sagrado do que, grosso modo, poderia ser denominado pecado. Pólos opostos de uma mesma demanda da alma, ao que tudo indicava, estariam para sempre ligados. 

domingo, 9 de setembro de 2018

Hoje não!


Hoje não!
Só a solidão é companhia,
Resgatar minhas memórias,
A paz da melancolia.
Hoje não!
Ninguém me determina,
Não há espelhos, não há intenção,
Meus olhos, meu espaço,
Sem êxtase, sem agonia.
Hoje não!
O coração se cala,
Meus próprios braços que me acolhem,
Cata os meus pedaços, me recolhe!
Silencia.
Hoje não!
Preciso me enxergar,
Tecer meus planos,
Lamentar os danos,
Me lembrar de que sou minha.




segunda-feira, 3 de setembro de 2018

Agonia


Não, este não será um texto sobre o amor. Era, mas não é mais. Começou assim... numa agonia profunda provocada aparentemente pela óbvia desatenção do outro. O texto foi se formando em seu ser, sendo gerado com as palavras mais triviais, embaladas pela poética musical da vez, que mesmo variando, dizia sempre a mesma coisa.

Conforme o texto foi crescendo, as plataformas começaram a dar sinais de esgotamento. Mais uma vez escreveria um clamor ao outro? A  música que ouvia e recitava seus sentimentos poderia sabê-la assim tão profundamente se fosse verdade o que acreditava ser a base de sua agonia? Quantas vezes este mesmo sentimento havia lhe visitado... as respostas poderiam ser sempre as mesmas? Não... aos poucos via com clareza.

Decidiu radicalizar no que lhe pareceu a sua mais possível verdade. Confessou então que nenhuma atenção jamais lhe seria suficiente (e que difícil era confessar aquilo). Para alguém algum dia fora? Não, era claro que não. Tivesse ele religiosamente lhe adorado ou  profanamente lhe desejado dia após dia... estaria ela satisfeita? Sempre demandaria mais e mais e se fosse assim ele mesmo não existiria em verdade. A razão disso tudo morava em algo de outra natureza.

A paixão, este encontro de sintomas, este preencher lacunas incuráveis no entorpecimento da projeção sempre daria um jeito de agoniar-se. Cedo ou tarde a insatisfação se instalava e começava a gritar. E as projeções óbvias no outro eram os lugares comuns aos quais caminhávamos cegos, num círculo vicioso sem fim. 

A verdade era que as razões para o amor faziam-se todas e nenhuma. Eram a presença absoluta e a ausência infinita. Que triste fim tinham as paixões absolutamente consumadas, terminavam em pó... muchas e acabadas, expressas ou em afastamento ou num errante pedantismo artificial e infantilizado. Por outro lado, as paixões nunca vividas eram um copo cheio de vazio, um alimentar-se de vento. Eis aí a contradição implacável do amar. 

Pois então... não fosse um sofisma acusá-lo de desatenção, a solução posta talvez seria guardá-lo num pote, descaracterizá-lo, impedi-lo de ser. A resposta era não haver resposta! Não havia caminho sem tensão, contradição... sem paradoxo. Invocou então a dialética... a melodia da evolução cantava tese, antítese, síntese... podendo ser traduzida por encantamento, agonia... epifania! Esta música sim podia finalmente traduzi-la!

Todo amor ao outro era de alguma maneira sobre si mesmo. E ela sabia. Sempre soube... mas perder-se era uma tentação constante. Os mimimis estavam espalhados pela esfera social e eram mais perigosos que os demônios do mais alto escalão... e talvez os fossem! Descobriu então um caminho, uma razão.

Ela o buscava desesperadamente devido a intensidade que ele lhe despertara. Era a si mesma que procurava. Ele era sua zona de conforto feita de um permanente caos. Justo ela que bebia intensidade, evolução.... Como não amar-se mais diante do caleidoscópio que ele proporcionara? Essa era a graça. Ele era ela ou parte do que gostaria de ser... a possibilidade de ser, a prova de que podia. 

Mas então é isto? Primeiro indigna-se que objeto de desejo seja uma pessoa que dança a nossa frente como quem tem vontades e maus humores... e o pior de tudo, tem também seus próprios e outros objetos de desejo... depois faz-se o confronto, a mea culpa, diagnostica-se a contradição da vida e acabou? Só existe o EU neste jogo permanente. E tudo fica resumido ao espelho? Confessa-se que a agonia, a tensão é responsabilidade de quem a tem e pronto, faz parte da vida? 

Não!!! Vamos confessar aqui antes de ir embora a maior das mentiras... este é sim um texto sobre o amor. Os outros textos é que não são... as canções que choram de desatenção é que não sabem nada sobre o amar. Os outros textos, canções, poemas é que nunca puderam observar a agonia de cima, admirá-la... amar sobretudo a contradição expressa na intensidade da vida. Que ele, somente ele personificara ao entrar por aquela sala numa noite de agonia... uma cena eternizada!